Três atitudes, três destinos

Jorge Fonseca de Almeida, Jornal i

Esta indiferença pela corrupção está a atrasar o país e a levar-nos inexoravelmente para a cauda da Europa

O mês passado o relatório do GRECO, organismo do Conselho da Europa que coordena políticas anticorrupção, mostrou que Portugal pouco ou nada tem feito para implementar as medidas consideradas necessárias para um combate eficaz a este criminoso fenómeno, nomeadamente garantir a independência do poder judicial atualmente comprometida pela nomeação política da maioria dos membros do Concelho Superior de Magistratura.

Outros países acompanham Portugal nesta ausente vontade da classe política em combater a corrupção. A Hungria pura e simplesmente não autorizou que o relatório do GRECO fosse divulgado no país.

Mas na Republica Checa, onde os resultados foram também maus os cidadãos saíram à rua em enormes manifestações, as maiores das últimas décadas, exigindo ao seu Governo a tomada de medidas urgentes.

Esta é uma atitude muito diferente da portuguesa em que o relatório foi recebido com uma quase total indiferença geral da sociedade civil, não foi explicado nem debatido nos media, e apenas dois ou três comentadores mais atentos escreveram curtas crónicas sobre o assunto. Exceção apenas o OBEGEF cujos membros publicaram artigos esclarecedores sobre o tema.

Podemos ver aqui três atitudes: o medo da reação popular na Hungria que leva o Governo a proibir a divulgação do relatório, a indignação na República Checa e a indiferença em Portugal.

As duas primeiras reações pressupõem a existência de uma maioria sã na sociedade que acredita poder alterar a situação e vencer a corrupção pela pressão popular e pela condenação política. A indiferença nacional revela uma sociedade descrente deste combate, habituada a que os seus governantes muito prometam e nada façam e sem estofo para os obrigar a tomar medidas.

Estas três atitudes que se estendem a outros níveis da vida social refletem-se no diferente desenvolvimento dos países. Vejamos, por exemplo, como evoluiu o PIB destes países desde o ano 2004 que foi o da adesão da República Checa e da Hungria à União Europeia.

Nesse momento Portugal era o país com maior PIB per capita. Hoje já foi ultrapassado pela República Checa e está prestes a sê-lo pela Hungria – veja que no período de 2004-2017 a Hungria cresceu 47,9% e Portugal apenas 25,9%.

Esta indiferença pela corrupção está a atrasar o país e a levar-nos inexoravelmente para a cauda da Europa.

Na próxima avaliação do GRECO podemos antever a República Checa irá progredir notoriamente e que Portugal e a Hungria pouco ou nada farão.

O mito da racionalidade

Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A transparência da actividade económica mais não é do que uma concepção ideológica de maior validação do neofideísmo nos mercados e da prossecução dum maior risco de fraude

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Quem descobriu a Lua?

Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

Ridículo seria defender que os americanos descobriram a Lua no final dos anos 60 do século passado, quando tantos e tantas ao longo dos milénios anteriores a desenharam, a idealizaram, a observaram, a descreveram, a cantaram.

Fraude académica e castigo

José António Moreira, Jornal i

“Tem de haver tolerância zero!”

Fim de ano letivo, reunião de responsáveis pelos diversos cursos, ordem de trabalhos onde se incluía um ponto relativo à fraude académica.

Entrados neste, os presentes foram confrontados com as estatísticas anuais, que mostravam crescimento. A discussão começou pela eterna questão que estes temas sempre trazem: “Significa que há mais fraude, ou é apenas sinal de que os docentes, guardiões primeiros da verdade académica, estão mais despertos para a necessidade de reportarem os casos detetados?”

Desta vez a questão beneficiou de informação adicional que ajudou a clarificar as posições e evitou o tradicional entrincheiramento de posições: verificara-se o crescimento do número de alunos estrangeiros defraudadores; havia algumas reclamações de alunos a propósito da falta de verdade na avaliação por via da fraude cometida por colegas.

Duas peças de informação que ajudaram a consolidar a ideia de que o problema se tem vindo a agravar e, adicionalmente, introduziam matizes diferentes nas tradicionais cores com que se pinta a fraude académica.

Os alunos estrangeiros, são tradicionalmente olhados como menos defraudadores, por via dos enquadramentos institucionais e culturais de onde são provenientes que, em geral, se caraterizam por acrescido rigor e exigência nestas matérias. O crescimento da fraude académica neste grupo poderia, portanto, ser olhado – e foi-o – como um reflexo da perceção de tais alunos quanto à extrema permissividade do sistema de ensino português neste domínio, porventura exponenciada pelo “passa a palavra” de compatriotas seus que por cá haviam passado. Preocupante, sem dúvida.

Reclamações quanto à injustiça introduzida no processo de avaliação, pela ocorrência de fraude, é novidade, pelo menos com a frequência verificada nos tempos mais recentes. Ainda são relativamente poucas, mas espera-se que constituam sinal de uma mudança de atitude face ao tradicional beneplácito com que os alunos defraudadores eram olhados pelos seus pares, para quem eram autênticos “heróis”, capazes de ludibriarem as regras sem se machucarem. Pela pressão que estas reclamações vêm colocar sobre os guardiões, mas também pelo que contêm de crítica social, são arma importante no combate à fraude académica.

“Tem de haver tolerância zero!”, sugeriu com voz forte um dos presentes. Para justificar a sua posição, fez eco de uma conversa que em tempos tivera com um colega finlandês, em que este lhe explicou que o país tinha circunscrito a fraude académica a níveis irrelevantes a partir do momento em que a penalização passou a ser a expulsão do defraudador da universidade. Ninguém colocou em causa a veracidade de tal explicação na medida em que alguns anos antes, com direito a notícia de jornal diário, um aluno português, em mobilidade Erasmus numa instituição de ensino finlandesa, foi recambiado de volta para Portugal, sem contemplações, quando, no decurso de uma prova de exame, um vigilante constatou que um código de leis que estava pousado em cima da mesa desse aluno continha pequenas notas explicativas na margem das folhas. A tal tolerância zero!

Depressa os presentes tomaram consciência de que na sua instituição, nas instituições de ensino portuguesas como um todo, tal castigo para o crime de fraude académica não era exequível. No limite, se houver reincidência, o aluno defraudado tenderá a ser sujeito a um processo disciplinar que, se puder provar o ato, lhe dará como sanção a impossibilidade de se submeter a novo exame no ano em que a fraude ocorreu, e lavrará o facto no processo do aluno (sem outra divulgação).

Qualquer que seja o ângulo pelo qual se olhe tal castigo, ressalta a convicção de que é demasiado brando. Para o aluno, em termos contabilísticos, a expetativa de benefício ao cometer o crime tende a ser superior à expetativa de custo na eventualidade de ser apanhado. O castigo, em tal caso, não funciona como desincentivo à adoção de prática criminosa.

A reunião caminhava para o término. No restante tempo dedicado à discussão da fraude académica, atendendo às armas disponíveis, a estratégia de “tolerância zero” ficou-se pela sugestão de um conjunto de medidas, onde pontuaram o aumento da atenção dos guardiões, bem como o respetivo posicionamento nas salas, no decurso da vigilância das provas; a elaboração destas em moldes em que as respostas sejam dadas na própria folha do enunciado; o evitar a utilização de máquinas de calcular com memórias; a disponibilização de múltiplas versões da prova nos casos em que esta contém questões com resposta de escolha múltipla. Enfim, paliativos num jogo cujas regras estão enviesadas à partida.

A universidade continua a ser um microcosmo da sociedade onde se insere.