Fernando Costa Lima , Visão online

O combate à fraude não pode nem deve penalizar as pessoas honestas.

Neste momento os leitores estarão a pensar: como pode haver um lado errado do combate à fraude?

Todo o combate à fraude é meritório, estarão a pensar.

Sem dúvida, todo o combate à fraude é meritório. Basta pensar nos custos da fraude. Extrapolações apontam para uma quantificação da fraude em Portugal entre 1,5 e 25 do PIB, com a fraude ocupacional a representar 10% do volume de vendas. 1

Apesar de estarmos a falar de estimativas, não deixam de ser números impressionantes e que nos levam certamente a concluir que o combate é fraude é certamente uma actividade meritória e indispensável que devia mobilizar a sociedade em geral e os agentes económicos em particular.

Entre as vítimas de fraude estão os cidadãos em geral, as empresas e o Estado.

Por outro lado, o combate à fraude assume diversas formas, desde a implementação de mecanismos de detecção de fraude até à implementação de medidas e mecanismos de prevenção da fraude e que constituem em si mesmos custos associados à própria fraude.

Podemos, pois, dizer que há um custo, também social, associado ao combate à fraude.

Todo este arrazoado vem a propósito de algumas notícias vindas a lume recentemente e cujas grandes linhas transcrevo a seguir.

Covid-19: Associação de Municípios pede maior coordenação e menos burocracia” 2

CIP pede “Simplex Covid” porque 97% das empresas ainda esperam financiamento” 3

COVID-19. Excesso de burocracia no acesso às linhas de crédito coloca empresas em (maior) risco” 4

Por outro lado, são precisos 17 papéis diferentes no circuito entre o banco e a sociedade de garantia mútua, que representa o Estado no processo.” 5

Em Portugal, o Estado, numa tentativa de prevenir a fraude cria mecanismos de controlo e verificação que, numa perspectiva egoísta, até poderão estar certos.

Trata-se, no fundo, de aplicar um velho princípio, secular, não ideológico que perpassa por toda a Administração Pública e que se pode resumir numa frase: “até prova em concreto todo o cidadão é desonesto”.

A consequência deste princípio é a seguinte: por causa dos 1% (número meramente ilustrativo) de desonestos, inferniza-se a vida dos restantes 99% que são gente honesta e cumpridora.

Assim sendo, assistimos a que o Estado, prevalecendo-se da sua posição de legislador, embute aquele princípio desde o primeiro momento de interacção dos cidadãos (ou das empresas) – o momento de legislar.

Desde logo na elaboração de qualquer lei, o Estado introduz todo o tipo de mecanismos que, em nome da prevenção da fraude, inferniza a grande maioria dos cidadãos e empresas.

Os próprios serviços públicos (e parapúblicos) acabam por incorporar nos seus próprios procedimentos aquele mesmo princípio e que acaba por contaminar, inclusive, o próprios sector privado.

A burocracia de que tanto se queixam os cidadãos e as empresas mais não é do que este “lado errado do combate à fraude”.

Desburocratizar significa acima de tudo eliminar aquele princípio da desconfiança sistemática por um princípio de responsabilização dos intervenientes e de castigo exemplar sobre os prevaricadores.

Não se trata, no entanto, de uma situação exclusiva de Portugal. Basta ler a seguinte notícia: “Comissão Europeia reduz burocracia para aliviar empresas de transporte” 6

Que conclusão podemos tirar daqui? Se é possível reduzir burocracia por causa da situação actual, porque não reduzi-la para sempre?

1 Pimenta, Carlos. 2009. Esboço de Quantificação da Fraude em Portugal, Observatório de Economia e Gestão de Fraude - Working Papers #03. Edições Húmus.

2 In http://portocanal.sapo.pt/noticia/216778 (notícia datada de 8 de Abril de 2020, consultada a 25 de Maio de 2020).

3 In https://observador.pt/2020/05/04/cip-pede-simplex-covid-porque-97-das-empresas-ainda-esperam-financiamento/ (notícia datada de 4 de Maio de 2020, consultada a 25 de Maio de 2020).

4 In https://hrportugal.sapo.pt/covid-19-excesso-de-burocracia-no-acesso-as-linhas-de-credito-coloca-empresas-em-maior-risco/ (notícia datada de 5 de Maio de 2020, consultada a 25 de Maio de 2020).

5 In https://www.jn.pt/economia/empresas-lutam-contra-burocracia-e-bancos-oferecem-creditos-comuns-12162727.html (notícia datada de 7 de Maio de 2020, consultada a 25 de Maio de 2020).

6 In https://www.rtp.pt/noticias/covid-19/comissao-europeia-reduz-burocracia-para-aliviar-empresas-de-transporte_n1224702 (notícia datada de 29 Abril 2020, consultada a 25 de Maio de 2020)