Daniel Espínola, OBEGEF
Compreender as oportunidades das ferramentas digitais para a prevenção à corrupção, assim como seus riscos, será um dos grandes desafios dos governos nos próximos anos.
Ao longo dos últimos anos, avanços tecnológicos baseados nas TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação), têm fomentado a criação e o desenvolvimento de diversas ferramentas digitais que auxiliam governos e cidadãos a detectar, analisar, investigar, prever e monitorar casos de corrupção e fraude. Podemos destacar nos setores financeiro e tributário a inteligência artificial já sendo utilizada para detectar casos de branqueamento de capitais, evasão fiscal e atividades fraudulentas. Como exemplo, a análise de uma grande quantidade de dados – big data – auxiliou uma rede mundial de jornalistas investigativos a descobrir escândalos de corrupção, como os recentes Pandora Papers. Por sua vez, a tecnologia blockchain também se destaca com o potencial de promover transparência e segurança em registros de imóveis e outras transações comerciais.
A tendência é que essas e outras ferramentas sejam aprofundadas ao longo dos próximos anos, segundo apresentou o estudo recém publicado do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, denominado “Novas Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável: Perspectivas sobre integridade, confiança e anticorrupção”. O estudo do PNUD apresenta, ainda, recomendações para os governos aproveitarem os benefícios dessas tecnologias para o fomento à integridade, confiança e ações anticorrupção, enquanto indica sugestões para minimizar os riscos de seus abusos e usos indevidos.
A publicação de dados governamentais em formato aberto têm ajudado a promover instituições e sistemas de governança mais eficazes, responsáveis e inclusivos. No momento em que dados governamentais são publicados sem restrições legais ou técnicas, e em formatos legíveis por máquinas, abrem-se possibilidades de criar e melhorar ferramentas para o combate à corrupção. Os dados publicados em formato aberto possibilitam a quem está fora do governo – cidadãos, ONGs e empresas – poderem apontar irregularidades nas contratações e serviços governamentais e até indicar melhorias nos serviços públicos. Todavia, para tanto, apenas a publicação de dados em formato aberto pode não ser uma política totalmente eficiente. Investir e apoiar aqueles que estão fora do governo para examinar os dados públicos e propor melhorias, especialmente representantes da academia e da sociedade civil, é o passo seguinte que deve ser fomentado pelos governos.
A tecnologia de blockchain – bases permanentes de registros e dados, distribuídas e compartilhadas de forma altamente segura – possuem o potencial de dificultar a manipulação de dados por agentes mal intencionados e a realização de atividades fraudulentas devido à sua transparência, imutabilidade, verificabilidade e segurança. Essas qualidades podem ser de grande valia para garantir a integridade em setores e áreas administrativas governamentais suscetíveis à corrupção e à fraude, tais como registro de imóveis, verificação de documentos e de certidões públicas.
Por outro lado, a blockchain também abriu caminho para o desenvolvimento das criptomoedas, largamente utilizadas por criminosos, e sua recente associação aos NFTs. Sigla em inglês para token não fungível, os NFTs são peças virtuais de informação exclusivas (itens de jogos, projetos, peças gráficas, obras artísticas etc.), com autenticidade garantida através da blockchain. A recente união das NFTs com o pouco regulamentado mercado de belas artes tem sido um dos maiores desafios ao combate ao branqueamento de capitais no mundo.
Nos “mercados virtuais” de NFTs indivíduos compram e vendem itens cujo valor “justo” de mercado é difícil de ser determinado, e o fazem exclusivamente com transações por criptomoedas – com processos de rastreio e de identificação do proprietário da conta altamente complexos. E esses “mercados” permanecem ainda sub-regulamentados na maioria dos países. Por causa do risco excepcionalmente alto de fraude representado por esses ativos digitais, os governos devem emitir orientações de conformidade anti-branqueamento de dinheiro específicas para NFTs.
As aquisições públicas em formato eletrônico (e-procurement), em substituição aos procedimentos em papel, também tenderão a ser mais comuns nos próximos anos. Além de reduzirem custos administrativos e proporcionarem uma maior celeridade, também é possível aumentar a transparência, facilitar o monitoramento, incentivar competição transfronteiriça e apoiar uma administração de compras centralizadas. Neste último ponto, é importante ressaltar que essa centralização também possibilita a reunião de informações integradas, tal como um “balcão único” para interessados em vender para o setor público, facilitando o processamento eletrônico dos processos de aquisição e, por conseguinte, a redução de fraudes.
Muitas outras ferramentas e tecnologias para prevenção à corrupção são citadas pelo estudo do PNUD e outras fontes, como o uso de inteligência artificial, aprendizagem por máquina (machine learning), decisões baseadas em algoritmos, internet das coisas e a intensificação do uso de drones e veículos autônomos em auditorias públicas.
Entendemos que as inovações tecnológicas para a prevenção à corrupção podem oferecer novas formas para a promoção da transparência, responsabilidade e integridade, ajudando governos a encontrar respostas para a erosão da confiança pública e o enfraquecimento do contrato social que se agravou nos últimos anos, forjando um contrato social mais inclusivo. Entretanto, é importante também ressaltarmos alguns pontos de atenção: pouco se tem discutido acerca dos investimentos necessários para prover e manter a infraestrutura que sustenta essas ferramentas. Muitas vezes é necessária a aquisição de equipamentos com alto valor, fornecidos por poucas empresas altamente especializadas. O treinamento dos recursos humanos para operar e manter tais sistemas também pode ser algo que demande um tempo considerável. São riscos e cálculos que devem ser levados em conta na promoção dessas ferramentas inovadoras.
Ademais, uma governança digital eficaz, que inclua regulamentações que promovam a transparência e o controle social, é necessária para garantir a ética e a integridade na implementação dessas inovações, garantindo que elas sejam inclusivas e centradas nas pessoas - promovendo a inclusão de todos os governos e cidadãos. Casos de vulnerabilidades e abusos têm sido reportados como riscos relevantes. Compreender as oportunidades das ferramentas digitais para a prevenção à corrupção, assim como seus riscos, será um dos grandes desafios dos governos nos próximos anos.