António Maia, Jornal i online

Eu, abaixo-assinado(a), afirmo solenemente por minha honra que cumprirei com lealdade e integridade as funções que me são confiadas

Escrevo esta crónica no recato do denominado dia de reflexão. No dia que antecede o ato eleitoral de 30 de janeiro de 2022, do qual resultará uma nova composição de forças partidárias na Assembleia da Républica, e que, por sua vez, determinará o próximo executivo.

E escrevo esta crónica agora, depois de ultrapassados os dias da azáfama, de alguma confusão folclórica até, próprias de uma campanha eleitoral e dos diversos debates que a antecederam, por considerar importante, para efeito da própria reflexão que partilho, conhecer as propostas apresentadas pelas diversas forças partidárias e o modo como foram apresentadas, exploradas e debatidas na praça pública relativamente ao controlo da corrupção.

O mais provável é que o leitor esteja a ler estas linhas já com o conhecimento dos resultados eleitorais, mas esse elemento não altera uma vírgula que seja quanto ao sentido desta reflexão. Porque a corrupção é reconhecidamente um problema que nos afeta a todos por igual. Porque a procura de soluções mais eficazes para o seu controlo não pode nem deve ser uma questão maior ou mais premente para uns do que para outros. E a evidência destes argumentos mostra-se desde logo pelo facto de os designados grandes partidos, todos os que habitualmente têm representação parlamentar, desde os mais à esquerda até os mais à direita, apresentarem propostas sobre o tema nos seus programas eleitorais.

Mas, podemos questionar-nos, porquê agora, no final da campanha eleitoral, destacar as diversas medidas por todos propostas para um controlo mais eficaz da corrupção para os próximos 4 anos?

Em primeiro lugar, importa referir que a corrupção é apenas um dos muito problemas do nosso país. E provavelmente nem será o mais importante, mas ainda assim, pelos efeitos nefastos que lhe estão associados – elevados custos financeiros, danos reputacionais, redução da credibilidade, da confiança e da coesão social –, requer políticas públicas que se traduzam em medidas de controlo, prevenção e repressão adequadamente eficazes.

Depois, como referi aqui neste espaço em Controlar a corrupção em Portugal - alguns sinais importantes, porque foram recentemente adotadas medias de grande amplitude de natureza preventiva que se afiguram muito pertinentes, com um potencial de utilidade elevado, assim sejam devidamente adotadas e dinamizadas internamente pelas organizações. Esse quadro de medidas, associado sobretudo ao Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, e Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, vem obrigar as entidades, públicas e privadas, com mais de 50 trabalhadores a criarem e dinamizar códigos de ética e de conduta, manuais de boas práticas, planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, canais de denúncia e um regime de proteção de denunciantes.

Tratam-se sem dúvida de medidas importantes. Mas importará verificar outros âmbitos igualmente de grande abrangência que as complementem e reforcem.

E é esse contributo que partilho, como cidadão interessado na melhoria da qualidade da nossa vida coletiva, e também como membro do Observatório de Economia e Gestão de Fraude, organismo da sociedade civil preocupado com estas questões.

Em primeiro lugar, uma aposta mais clara relativamente à formação e educação para a cidadania. Não apenas numa perspetiva do que seja eticamente aceitável em termos da procura de uma sã convivência social, mas também numa perspetiva de formar e informar os cidadãos, sobretudo as gerações mais novas, sobre a importância do Estado e da participação e envolvimento responsável de todos no seu funcionamento.

Receio que ainda subsistam muito concidadãos, alguns mesmo com formação académica de nível superior, que desconheçam, pelo menos com um detalhe minimamente adequado, como está organizado o Estado, como se articulam as suas estruturas, qual a sua função, e porque razão somos ciclicamente chamados a participar em atos eleitorais. Afinal a democracia faz-se por todos. E se as pessoas não se encontrarem minimamente despertas para o que está em causa, o mais provável será que não se identifiquem com o que delas se espera. Que considerem que não é com elas. Numa palavra, que não se envolvam. A este propósito são importantes os resultados revelados no âmbito do projeto Abstenção e participação eleitoral em Portugal: diagnóstico e hipóteses de reforma, de João Cancela e Marta Vicente.

E estes sinais de um certo “alheamento” ou “distanciamento” da política não se ficam a dever a qualquer incapacidade das pessoas. Será mais o efeito de um certo desconhecimento do que está em causa.

E quanto a este ponto, os políticos, sobretudo os que têm exercido funções executivas, não podem deixar de perceber que devem ter uma ação importante. Dinamizar políticas públicas formativas e informativas em todos os níveis de ensino. Apetece-me escrever, a este propósito, que sou do tempo em que, no ensino secundário (no liceu como então se designava), havia uma disciplina de Introdução à Política. Nela ficávamos a conhecer o modelo de organização política do Estado. O modo com as diversas estruturas que compunham essa organização – estruturas políticas (o Presidente da República, o Parlamento e os deputados, e o Governo), e também as estruturas da Administração Pública (os departamentos, serviços e entidades públicas ligadas aos diversos ministérios) – se interligavam e funcionavam, e o papel central do cidadão em todo este processo.

Assim a primeira sugestão a deixar aos futuros líderes de governo (deste que sairá destas eleições e dos que se lhe seguirão) vai no sentido de estabelecerem políticas públicas promotoras de uma formação mais transversal da sociedade e dos cidadãos relativamente ao modelo de gestão do Estado e à importância do envolvimento de todos nos processos de escolhas coletivas de gestão dos destinos do próprio Estado. Passar a incluir o tema em todos os programas curriculares do ensino secundário poderá ser uma solução adequada.

Cidadãos mais envolvidos, positivamente mais responsáveis, são cidadãos potencialmente mais empenhados em mostrar indignação e intransigência face ao fenómeno da corrupção. E com exceção dos media e alguns analistas e comentadores, não temos tido em Portugal grandes sinais de intransigência relativamente a casos de corrupção. Os sucessivos Relatórios Anuais do Instituto V-DEM, da Universidade de Gotemburgo, sobre os índices de participação democrática, têm evidenciado isso mesmo ao atribuírem posições modestas a Portugal relativamente ao indicador envolvimento da sociedade civil nas questões de interesse coletivo.

Uma outra sugestão relaciona-se com os próprios partidos políticos e o modo como estão organizados.

Não obstante se reconheça o esforço dos últimos anos no sentido de alguma transparência, a verdade é que os partidos políticos em Portugal são ainda umas verdadeiras caixas negras. Não se sabe muito bem como funcionam. E na realidade ninguém parece preocupar-se muito com isso – este é também um efeito decorrente do que se referiu anteriormente.

Se atentarmos nos valores que os partidos políticos, sobretudo os de maior expressão e mais conhecidos, assumiram junto da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos para os orçamentos da campanha eleitoral, e se olharmos para o número de pessoas que as televisões mostraram estar envolvidas na campanha, para os espaços utilizados (como salas de espetáculos e pavilhões), para os adereços (decoração desses espaços, bandeiras, camisolas, canetas, cartazes, folhetos, etc.), e para as caravanas e sua deslocação, e supostos custos associados a toda esta espécie de onda, ficamos porventura perplexos. Podemos mesmo questionar-nos sobre de onde vem o dinheiro para pagar aquilo tudo? E se, sobre isto, verificarmos depois que praticamente todos os anos os partidos políticos são objeto de processos de contra-ordenação por irregularidades na forma como prestam as suas contas, como se afere do relatório da Entidade das Contas e Financiamentos Politicos - Balanço do mandato 2017-2021, ficamos com aquela interrogação ainda mais vincada. Também esta questão nos remete para o problema da corrupção e da importância de um maior envolvimento de cidadãos esclarecidos.

Aliás, muitos estudos académicos reconhecem a existência de uma forte ligação entre financiamentos partidários ilícitos e a corrupção. Se a afirmação dos economistas de que não há almoços grátis é verdadeira, uma questão que se pode colocar é simplesmente a seguinte: porque razão não são os partidos políticos exclusivamente financiados pelo Estado, com valores legalmente limitados e suportáveis em função do índice de desenvolvimento económico do país? Afinal de contas a única razão de ser dos partidos políticos é servir o Estado e o cidadão. Não se vislumbra mais nenhuma. A sua função é claramente de interesse público e de âmbito geral.

Finalmente e porque uma das medidas de prevenção no âmbito do exercício de funções públicas administrativas, sobretudo em áreas como a contratação pública, requer a subscrição de declarações de inexistência de conflitos de interesses, questiona-se porque não assumir, de forma clara e inequívoca, um vínculo de respeito e salvaguarda da integridade através da declaração de compromisso no ato de tomada de posse por titulares de cargos políticos?

Essa declaração poderia fazer-se, por exemplo, nos seguintes termos:

Eu, abaixo-assinado(a), afirmo solenemente por minha honra que cumprirei com lealdade e integridade as funções que me são confiadas.

Bem sabemos que não é pelo facto de as pessoas subscrevem declarações de inexistência de conflitos de interesses, nem de declarações de compromisso nesse sentido, que o seu índice de integridade se alterará significativamente, ou que deixarão de praticar atos menos próprios ou adequados, sobretudo se forem menos íntegras e se tiverem oportunidade para tal.

Mas esses compromissos, assinados ou verbalizados publicamente, não deixam de ser sinais importantes. Sinais que podem ser distintivos no reforço do vínculo de responsabilidade relativamente às nobres funções que se assumem de representação do Estado e de serviço ao cidadão.