Rute Serra, Jornal i online

Tal como acontece na gestão de pessoas, também a IA necessita de princípios comuns e de uma ética própria que se coloque não só no patamar da tecnologia, mas também ao nível dos novos desafios que esta faz e fará emergir

O filtro que nos permite compreender a realidade tal qual a perceção e a experiência humana permitem, é a nossa razão. A razão humana, aquela que o filósofo Immanuel Kant, na sua Crítica da Razão Pura, identificou como inquisitiva por natureza, mas a qual nem sempre encontrará respostas, por estas ultrapassarem completamente as suas possibilidades.

Ninguém duvida que assistimos hoje a uma nova revolução, carreada pela Inteligência Artificial (IA), que, à semelhança da novidade que, no século XV, as primeiras impressões e difusão de livros trouxe à Humanidade, aportará avanços económicos e científicos e novos horizontes para a compreensão e o conhecimento. A este mar de rosas acrescem, não obstante, as preocupações que os ditos avanços representam, nos contextos da informação livre e do pensamento independente ou da segurança e da ordem mundial.

Estaremos já à altura de compreender, pelo menos, a exata medida em que esta nova realidade vai, subtilmente, impregnando a nossa vida? Quem de nós está de facto preparado para aceitar, restringir ou recusar o maravilhoso mundo novo que a IA nos propõe? E seja qual for a decisão, será esta uma decisão exclusivamente autónoma?

Este é o momento em que a regulação de uma nova ética para a IA se impõe. Tal como acontece na gestão de pessoas, também a IA necessita de princípios comuns e de uma ética própria que se coloque não só no patamar da tecnologia, mas também ao nível dos novos desafios que esta faz e fará emergir. Atrasos na regulação, que se quer internacionalmente negociada, não são compagináveis com a velocidade com que a IA introduz ou precipita novos rumos de atividade.

A União Europeia (UE) tem demonstrado estar atenta às preocupações que envolvem o mercado único digital. Em 2015, a Autoridade Europeia para a Proteção de Dados (AEPD) produziu um parecer, baseado na Carta dos Direitos Fundamentais da UE, que reconhece a exigência de um enquadramento ético que apoie os pilares de base do novo ecossistema digital. Em 2021 foi anunciado o tiro de partida de um quadro regulatório e sancionatório europeu para a IA, através da apresentação da proposta de Regulamento sobre a Abordagem Europeia para a Inteligência Artificial, pela Comissão Europeia, ao qual a sociedade e os indivíduos devem estar atentos.

O que encontraremos na vacuidade até à entrada em vigor da nova regulamentação? Quanto tempo demorará a operacionalização dos seus termos? E até lá, como evitar cairmos em caos e autocracia digital?

O que sabemos desde já é que nos compete tentar compreender as transformações que a IA trará à experiência humana, na medida em que potencialmente pode pôr em causa a nossa real identidade. Exige-se perceber, desde já, que precisamos de nos ajustar a um (admirável) mundo novo em que a razão deixou, definitivamente, de ser a única via de exploração e conhecimento da realidade.