António João Maia, Público,

 

A corrupção é muito provavelmente uma das temáticas que mais tem sido mediatizada nos últimos anos em Portugal. Ou porque existam processos de investigação em curso nos tribunais e nas polícias, nomeadamente quando envolvem nomes de destacadas figuras da vida política, económica e social, ou porque sejam divulgados resultados de análises e de estudos acerca do problema nos diversos países do mundo (como por exemplo os índices anuais da Transparência Internacional, os relatórios de avaliação da União Europeia, do GRECO, ou do Eurobarómetro, de entre outros), dificilmente encontramos um dia em que o tema não seja abordado na imprensa escrita ou falada, sendo mesmo recorrente a sua utilização como principal tema de capa dos jornais e como notícia de abertura de telejornais.

A problemática da corrupção é muito vasta. Podemos procurar conhecer as suas causas, os contextos em que ocorrem as práticas que lhe dão forma, ou ainda as consequências e os custos, aos mais diversos níveis, que derivam da ocorrência destas práticas. Uma outra vertente que tem sido particularmente estudada é a das percepções sociais, no sentido de se colherem elementos que permitam perceber o modo e a forma como as pessoas avaliam e se relacionam com o problema e como admitem poder reagir perante situações concretas desta natureza em que, por qualquer razão, possam ver-se envolvidas.

Independentemente do ângulo que seja considerado, os estudos sobre a problemática da corrupção são de grande importância, uma vez que é através deles que se conseguem alcançar elementos que permitem compreender o fenómeno de modo mais objectivo e desenhar medidas que se mostrem potencialmente mais adequadas à sua prevenção, repressão e controlo.

O Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF – http://obegef.pt/wordpress/) tem justamente como um dos seus principais propósitos procurar contribuir para a produção de conhecimento científico relativamente à questão da corrupção e, num sentido mais amplo do conceito, da fraude – a noção de corrupção não pode deixar de ser entendida como uma forma mais específica de fraude, ou seja a que ocorre em contextos de funcionamento dos serviços e da gestão do património e dos interesses públicos.

E os diversos projectos e estudos que têm sido desenvolvidos no OBEGEF, tanto no âmbito da fraude como no da corrupção, – tal como todos os demais que são realizados por esse mundo fora acerca destas mesmas temáticas – acabam por conduzir-nos sempre invariavelmente a uma mesma conclusão basilar, que está presente, de modo transversal, em todos os contextos e enquadramentos estudados. Referimo-nos ao factor subjectivo, que podemos traduzir da seguinte forma: qualquer que seja o contexto que permita a ocorrência de actos de fraude ou de corrupção, eles apenas têm lugar na medida em que aqueles que os praticam apresentam um determinado perfil, uma capacidade, uma atitude que lhes permite dar os passos e tomar as decisões necessárias nesse sentido. Estamos em regra perante sujeitos que evidenciam perfis e atitudes que podemos caracterizar como “egoístas”. Pessoas – funcionários dos serviços públicos e utentes desses serviços – que colocam os seus interesses pessoais acima dos interesses colectivos. Pessoas que, com tais atitudes e práticas, prejudicam os interesses e os valores colectivos que a sociedade lhes confia e que espera salvaguardem.

Quando, sem que nada o justifique, um funcionário e um empresário decidem inflacionar o valor de custo de uma obra no âmbito de um processo de contratação pública – por exemplo para a construção de um hospital ou de um troço de auto-estrada – permitem de modo puramente egoísta o aumento das suas receitas normais, produzindo ao mesmo tempo um efeito de sobrecarga nos seus concidadãos, na medida em que são eles que têm de suportar todos esses custos adicionais. Além disso, por desrespeitarem o quadro de regras próprio do procedimento da contratação pública associado, contrariam as expectativas que a sociedade lhes confiou. Por isso se diz que a corrupção é também um factor que contribui para minar e desacreditar a confiança social, quer dos cidadãos uns sobre os outros, quer sobre as próprias instituições.

Encontramos situações paralelas, em termos de atitude e de efeitos, por exemplo em práticas de corrupção sobre agentes de autoridade para não autuarem automobilistas que sejam interceptados a conduzir em excesso de velocidade ou alcoolizados. Ambos alcançam os seus propósitos imediatos – incremento das receitas monetárias por parte do agente de autoridade e continuação da utilização de automóvel por parte do condutor – a troco da subversão das regras e das expectativas sociais, com riscos evidentes sobre a manutenção dos índices de segurança rodoviária, ou seja sobre um interesse comum.

Um outro dado igualmente pertinente, que os estudos sobre estas questões têm evidenciado, prende-se com a tendência para uma certa relativização sobre a forma como as pessoas parecem avaliar o grau de gravidade associado aos actos de corrupção e de fraude. Relativamente a esta vertente, os elementos que são conhecidos têm revelado que em regra, para actos da mesma natureza, as pessoas tendem a associar uma gravidade maior quando essas práticas estão associadas a alguém que não conhecem pessoalmente. Consideram por exemplo ser menos grave a situação de um familiar ou amigo “meter uma cunha” para alcançar um posto de trabalho, do que quando essa mesma acção é praticada por alguém que não seja das suas relações pessoais.

Também neste tipo de reacção identificamos atitudes distintas dos sujeitos. Se o acto corrupto é praticado por um familiar ou amigo, tende a ser visto e avaliado como estando mais próximo daquilo que os portugueses designam por “desenrascanço”. Nesse sentido, não representará assim algo de tão negativo – “é o que todos fazem”, é o justificativo por vezes apresentado. Mas se o mesmo acto for praticado por um desconhecido, então trata-se seguramente de um corrupto que pratica um acto muito censurável e que por isso mesmo deveria ser punido de forma exemplar.

Através destes simples exemplos procuramos mostrar um pouco do que é vastidão da problemática da corrupção e as diversas formas de a ir estudando e conhecendo. Mas entendemos que a ideia central passa muito pela dimensão subjectiva, pela atitude das pessoas, quer das que praticam os actos, quer das que os avaliam.

A vivência em sociedade implica necessariamente a cedência de alguns pequenos interesses particulares, de modo a salvaguardar os superiores interesses colectivos e a confiança social. É, por assim dizer, uma espécie de preço a pagar para convivermos a nossa dimensão social, cultural e civilizacional.

Muito provavelmente todas as pessoas de uma sociedade acabam, mais dia, menos dia, por se cruzar com oportunidades para se deixarem corromper, para alcançar dividendos e ganhos pessoais que trariam muito provavelmente alguns benefícios imediatos e que, em si mesmos, não seriam de rejeitar. Todavia, porque contrariam as normas e as expectativas sociais, ou seja os valores morais socialmente aceites e nos quais acreditam profundamente, rejeitam-nas liminarmente.

Mas não é assim com todas as pessoas. Existirão sempre alguns que apresentarão atitudes tendencialmente mais egoístas, que estarão mais disponíveis para preferir alcançar os seus interesses pessoais do que a sacrificá-los em favor do interesse colectivo.

Por isso importa que, desde a família às escolas, as políticas de manutenção da coesão social continuem a apostar numa formação sólida dos valores colectivos da sociedade, e que as estratégias de prevenção e controlo da corrupção permitam conhecer e caracterizar as possíveis oportunidades para a ocorrência de práticas desta natureza e controlar a acção daqueles que nelas têm de operar.