Golas anti-fumo: feitiço virou-se contra o feiticeiro

Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)

Perante tamanha “ar-gola-da” e a Lei sobre o "Regime de Incompatibilidades" que determina, para estes casos, a automática exoneração de funções, questiono-me que país é este em que o Secretário de Estado da Proteção Civil ainda não apresentou a demissão, ou não foi demitido.

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Quem manda e decide diz-nos que foi feito um concurso público transparente para fornecimento de “golas anti-fumo”, enquadradas num programa de excelência e pleno de virtudes, denominado de “Aldeia segura”. Sem questionar se o programa de excelência visava afinal distribuir “brindes de propaganda” em ano de eleições a uma população envelhecida carente de atenção, vamos ver se percebi o que se passou.

Dizem-nos que houve concurso público, mas o que aconteceu foi o envio de "convites" a cinco empresas específicas para que apresentassem propostas de fornecimento das golas. Enfim, em cada caso problemático e mediático os políticos começam sempre com a mesma mania de nos tratarem por “burros”! Sabe-se que existem em Portugal centenas de empresas especializadas com profissionais experientes e conhecedores a operar no mercado de fabrico e/ou fornecimento de equipamentos de segurança contra incêndios, pelo que, sabendo das notícias, todo o cidadão português se perguntou: quais terão sido os raios dos critérios utilizados para a escolha das cinco empresas se nenhuma opera na área? Sendo inocente, acreditando no “Pai Natal” e “burro” havia dois critérios possíveis: ou empresas que a “Foxtrot”, a ganhadora de Guimarães da área do turismo e restauração, “arranjou” para enviar o convite ou então, porque não, empresas cujo nome tivesse sido fornecido pela lista de firmas pré-aprovadas nos postos de atendimento “empresa na hora” aquando da constituição dessas firmas. Digo isto porque a “Edstates”, de Fafe, se dedica às confeções e bordados, a “Brain One” de Arouca opera na área da informática e publicidade, a “Coldeport” de Benavente comercializa eletrodomésticos, e a “Mosc” de Póvoa de Lanhoso confeciona roupa feminina. Porém, como não somos inocentes, não acreditamos no “Pai Natal” e, em média, somos mais inteligentes, todos sabemos qual foi o critério de escolha da empresa fornecedora.

Confrontada com o facto das golas anti-fumo não terem as necessárias propriedades anti-inflamatórias nem anti-fumo, a “Foxtrot” justificou que tal nunca lhe foi pedido e que também não constava do caderno de encargos – como?! Mais tarde, ao que parece, terá alertado o cliente para essa situação, sugerindo a utilização de tecidos anti-fumo e não inflamáveis, mas o cliente terá recusado o alerta por alegadamente ficar mais caro. Porém, confrontada com o facto de ter cobrado 1,80 Euros por gola, quando o preço de mercado ronda os 0,68 Euros, a “Foxtrot” justifica a discrepância de preços com o tempo e a grande dimensão da encomenda. Imagine-se a irracionalidade económica que a justificação dada comporta. Qualquer “burro” sabe que, porque há custos fixos, o custo de produção diminui sempre com o aumento da quantidade produzida!

Mas há mais! Para além de fazerem de nós “burros” com a mentira do concurso público, transparente, em situação de descontrolo, como sempre, tentam sacudir a água do capote com a ideia do "inquérito urgente", desejando, neste caso, responsabilizar a “Autoridade Nacional de Protecção Civil” e o ajudante (padeiro de profissão) do Secretário de Estado da Proteção Civil, quando afinal os responsáveis por todo o processo são, no mínimo, o Ministro da Administração Interna e o seu Secretário de Estado. Então finalmente entendi melhor a visionária Inês Pedrosa quando, na RTP, para criticar o discurso de João Miguel Tavares, no 10 de Junho afirmou “essa ideia de se chamar um homem comum, então que chamassem o melhor padeiro (…)” pois não é que foi o que fez exatamente o Secretário de Estado da Proteção Civil?!

Perante tamanha “ar-gola-da” e a Lei sobre o "Regime de Incompatibilidades" que determina, para estes casos, a automática exoneração de funções, questiono-me que país é este em que o Secretário de Estado da Proteção Civil ainda não apresentou a demissão, ou não foi demitido. Isto para não perguntar o mesmo em relação ao Ministro, que, à boa maneira da tradição que incorpora, não tolera ser contrariado nem incomodar o chefe! É que, como diz o bom povo e a boa educação, o exemplo deve vir de cima. Afinal, para que serve a justiça e o que anda a fazer o Presidente da República?

Eu sei que muitos já não acreditam em nada e já desistiram de tudo, mas ainda espero que este caso sirva para reflexão pois se em cada caso mediático se deteta um problema (de favor particular) com inúmeras vítimas (nós, os outros portugueses) imagine-se o números de problemas e vítimas que a ação governativa acomoda.

Alice no País da (maravilhosa) Corrupção

António Gomes Dias , Visão online

Estamos cansados por continuarmos nos tempos da “velha senhora”, onde os títulos, apelidos e prestígio social eram suficientes para perpetuar a riqueza dos mais avantajados. Estamos cansados por ainda hoje se viver um clima de subserviência em que os poderosos, apenas por o serem, tudo podem.

Estado de Direito e a negação de justiça

Jorge Fonseca de Almeida, Jornal de Negócios

O julgamento e condenação de Bonifácio seria pelo contrário uma vibrante afirmação de que vivemos num Estado de Direito e que ninguém pode arrogar-se um estatuto diferente dos demais.

Três atitudes, três destinos

Jorge Fonseca de Almeida, Jornal i

Esta indiferença pela corrupção está a atrasar o país e a levar-nos inexoravelmente para a cauda da Europa

O mês passado o relatório do GRECO, organismo do Conselho da Europa que coordena políticas anticorrupção, mostrou que Portugal pouco ou nada tem feito para implementar as medidas consideradas necessárias para um combate eficaz a este criminoso fenómeno, nomeadamente garantir a independência do poder judicial atualmente comprometida pela nomeação política da maioria dos membros do Concelho Superior de Magistratura.

Outros países acompanham Portugal nesta ausente vontade da classe política em combater a corrupção. A Hungria pura e simplesmente não autorizou que o relatório do GRECO fosse divulgado no país.

Mas na Republica Checa, onde os resultados foram também maus os cidadãos saíram à rua em enormes manifestações, as maiores das últimas décadas, exigindo ao seu Governo a tomada de medidas urgentes.

Esta é uma atitude muito diferente da portuguesa em que o relatório foi recebido com uma quase total indiferença geral da sociedade civil, não foi explicado nem debatido nos media, e apenas dois ou três comentadores mais atentos escreveram curtas crónicas sobre o assunto. Exceção apenas o OBEGEF cujos membros publicaram artigos esclarecedores sobre o tema.

Podemos ver aqui três atitudes: o medo da reação popular na Hungria que leva o Governo a proibir a divulgação do relatório, a indignação na República Checa e a indiferença em Portugal.

As duas primeiras reações pressupõem a existência de uma maioria sã na sociedade que acredita poder alterar a situação e vencer a corrupção pela pressão popular e pela condenação política. A indiferença nacional revela uma sociedade descrente deste combate, habituada a que os seus governantes muito prometam e nada façam e sem estofo para os obrigar a tomar medidas.

Estas três atitudes que se estendem a outros níveis da vida social refletem-se no diferente desenvolvimento dos países. Vejamos, por exemplo, como evoluiu o PIB destes países desde o ano 2004 que foi o da adesão da República Checa e da Hungria à União Europeia.

Nesse momento Portugal era o país com maior PIB per capita. Hoje já foi ultrapassado pela República Checa e está prestes a sê-lo pela Hungria – veja que no período de 2004-2017 a Hungria cresceu 47,9% e Portugal apenas 25,9%.

Esta indiferença pela corrupção está a atrasar o país e a levar-nos inexoravelmente para a cauda da Europa.

Na próxima avaliação do GRECO podemos antever a República Checa irá progredir notoriamente e que Portugal e a Hungria pouco ou nada farão.

O mito da racionalidade

Carlos Pimenta, Dinheiro Vivo (JN / DN)

A transparência da actividade económica mais não é do que uma concepção ideológica de maior validação do neofideísmo nos mercados e da prossecução dum maior risco de fraude

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