Ricardo Passos , Visão online
A única forma de resolver o problema enquanto não há vacina é obter imunidade. Por isso não podemos ficar “todos protegidos”. Temos de sair de casa! Como é que vamos sair de casa?
“Todos unidos, todos protegidos, vamos todos juntos dizer adeus ao vírus…”
“Todos unidos, todos protegidos, vamos conseguir dizer adeus ao vírus…”
O meu filho mais novo tem 5 anos e passa o tempo todo a cantar esta música da Xana Toc Toc.
Também vou seguindo a música com ele e cantando mas parei para pensar um pouco. Afinal de contas todos os dias ouvimos comentadores a falar sobre a pandemia, a promoverem entrevistas e painéis de debate, normalmente os mesmos que antes discutiam economia ou política ou decretos-lei ou cultura (ou alguém como o nosso presidente que conseguia discutir todos estes temas em simultâneo) ou futebol discutem agora Covid-19. Reparei que de repente todos se tornaram especialistas nesta matéria. Ainda faz pouco tempo um ex-vice-primeiro-ministro estava em horário nobre na televisão a falar sobre o estado de desenvolvimento das vacinas para o Covid-19. Por isso não me parece desapropriado que eu, engenheiro de profissão, esteja aqui a discorrer sobre este tema.
Que abordagens têm tido os diferentes países no controlo da pandemia?
- Controlo de Movimentos: China, após perceberem a dimensão do problema e a Coreia do Sul utilizaram seguimento activo dos cidadãos infectados e por ai identificaram, testaram e isolaram outros potencias infectados, cortando as cadeias de transmissão.
- Quarentena: Taiwan e Macau entraram em quarentena total face ao exterior, tomaram medidas de higiene e desinfecção e distribuíram máscaras a toda a população promovendo o distanciamento social.
- Quarentena caseira: A maioria dos países europeus após um período de negação fechou fronteiras e recolheu as famílias em casa em isolamento social mantendo apenas as cadeias logísticas essenciais a funcionar. Mas ainda não há um uso generalizado de máscaras.
- Não passa nada: No Irão, nos EUA, no Brasil e na Grã-Bretanha no início achavam que não havia problema, era uma gripe como as outras. Agora estão a fazer o que a maioria já fez faz tempo.
- Abordagem científica: Suécia. Foram identificados grupos de elevado risco e de baixo risco e definidas estratégias de acordo com isso. Os jovens vão à escola, os restaurantes e os ginásios estão abertos, os idosos e grupos de risco foram isolados. Existem regras de distanciamento social e o uso de máscaras é incentivado.
Não esquecendo que a abordagem por controlo de movimentos é ilegal e anti-constitucional e como tal não pode ser utilizada em Portugal, todas as abordagens de limitação de movimentos diminuem a progressão do vírus mas estão a destruir a economia e alteraram radicalmente o modo de vida das pessoas.
Além disso não resolvem o problema. Ele fica latente. Se temos 30.000 infectados isso representa que 99,7% da população portuguesa ainda pode apanhar o vírus. Ou o vírus decide ir embora sozinho, como já aconteceu noutras situações, ou conseguimos ter uma vacina dispensável a toda a população ou então o vírus fica por aí.
A única forma de resolver o problema enquanto não há vacina é obter imunidade. Por isso não podemos ficar “todos protegidos”. Temos de sair de casa!
Como é que vamos sair de casa?
É um facto que a taxa de mortalidade do vírus é muito superior junto da população idosa ou com determinados factores de risco e também é um facto que o internamento em cuidados intensivos tem uma duração muito elevado para o tratamento do vírus, cerca de 2 semanas, o que leva a uma grande ocupação dos meios hospitalares disponíveis.
As taxas de mortalidade também são objecto de discussão. A da Alemanha é mais baixa que a de Portugal? E quantos assintomáticos eles testaram? Muitos. E nós? Quase zero. Se considerarmos que há 3 ou 4 vezes mais pessoas assintomática com Covid-19, que não foram testados do que pessoas com sintomas que testaram positivo, passamos a ter taxas de mortalidade semelhantes à da Alemanha.
O português comum tem noção que em média morrem 300 pessoas por dia em Portugal? Não é de agora, desde o ano 2000 que morrem em média entre 290 e 310 pessoas por dia em Portugal. É uma referência muito estável. Morrem de velhice, mas principalmente de doenças do aparelho circulatório (30% - ataque cardíaco, AVC , insuficiência renal, etc.), de cancro (25%), de doenças respiratórias (11%), doenças do foro digestivo (5%), diabetes, de acidente de viação, de acidente de trabalho, de violência doméstica, de suicídio, etc… Neste momento morrem 30 por dia por causa do Covid-19. É claro que é um número elevado mas não querendo ser insensível, no final do ano é que teremos de medir o impacto real e de quantos óbitos tivemos. O próximo passo de sair de casa tem de ser tomado, mas com uma estratégia bem definida.
Olhemos para a Suécia. Na resposta ao surto do Covid-19 não houve decisões políticas, foram decisões tomadas pelos técnicos. Ou melhor, os políticos seguiram o que os técnicos recomendaram. Repetindo o que já referi atrás, os jovens vão à escola, os restaurantes e os ginásios estão abertos, os idosos e grupos de risco foram isolados. Na Suécia temos a economia a funcionar. Em Portugal a economia está a sangrar.
O número de mortes por Covid-19 na Suécia é o dobro dos de Portugal. E então? Na Suécia em Maio vão conseguir ter imunidade de grupo. O que significa isto? Que mesmo que haja alguém infectado, as pessoas que o rodeiam na sua maioria já são imunes e não vão propagar o vírus a outras. E nós? Se não tivermos cuidado podemos cair numa situação semelhante à da Espanha ou Itália, porque a grande maioria da nossa população não desenvolveu imunidade. Mesmo que todos os portugueses tivessem conseguido fugir ao vírus, quando abrirmos as fronteiras ele vai voltar.
Temos de mandar os jovens para a rua. Não são grupo de risco, vão apanhar o vírus e ganhar imunidade. Os idosos e grupos de risco têm de continuar a ser mantidos o mais isolados possível. Os cuidados de distanciamento social e de higiene têm de se manter e temos de conseguir o equilíbrio de ir infectando a população a uma taxa que permita ao SNS ter meios suficientes para acomodar os que vão necessitar de internamento.
Se não o fizermos, vamos continuar a viver com o medo.
Se o fizermos, passado algum tempo os netos já imunes poderão voltar a abraçar os avós.