Óscar Afonso, Dinheiro Vivo (JN / DN)
Haverá sempre uma perda enorme durante a dinâmica de transição para o equilíbrio inicial, sendo essa perda gigantesca para o setor privado
A pandemia de coronavírus ceifou milhares de vidas em todos os continentes e paralisou praticamente a economia mundial. Tendo em conta a orientação para permanecer em casa – mais de um terço da população mundial foi colocada em isolamento –, as atividades que envolvem grupos de pessoas foram suspensas e, excluindo alimentos, bebidas e produtos de limpeza, as compras foram (na melhor das hipóteses) adiadas. Na incerteza, as pessoas estão a recuar, optando por poupar em vez de comprar, até porque podem perder os seus empregos. A produção também está a diminuir com o aumento dos pacientes e das pessoas em casa – a maior parte da produção industrial (mineração e manufatura) requer uma atividade presencial assim como, por exemplo, a atividade turística. Os efeitos negativos da crise estão assim a aumentar, com o consumo a diminuir e as empresas a reduzir a produção.
A escassez da oferta, motivada pela quarentena, pela interrupção das cadeias de valor internacionais, e pela alteração do padrão de consumo, levou à interrupção das atividades empresariais em muitos sectores económicos (privados); por todo o mundo, tem havido relatos generalizados de escassez da oferta de produtos farmacêuticos, alimentos e outros bens essenciais devido à compra de produtos em pânico. A economia está a arrefecer, muitas empresas privadas acabarão por "fechar as portas" ou a tentar recuperar com medidas de curto e médio prazo (por exemplo, cortes salariais e cenários de despedimento), e progressivamente circula menos dinheiro. No dinamismo do processo económico, as preocupações deslocaram-se rapidamente do lado da oferta para o lado da procura das economias, o que já causou a maior recessão global da história, sendo que a queda de receitas de muitas famílias e empresas põe em causa a capacidade de pagar e assumir novas dívidas, mesmo no cenário de taxas de juro baixas; ou seja, mais cedo ou mais tarde o sistema financeiro será também afetado negativamente.
Em geral, os indivíduos que trabalham no sector privado são mais suscetíveis de perder com o choque, uma vez que operam maioritariamente em atividades que requerem presença física. Os impactos económicos da crise são, pois, distintos nos sectores privado e público e manifestam-se em algumas variáveis de interesse importantes – desigualdade salarial entre trabalhadores do sectores público e privado, crescimento económico e bem-estar social – e esta distinção serve de motivação para esta crónica. Com efeito, diferenças notáveis entre os sectores público e privado podem comprometer a coesão económica e social a curto-médio-longo prazo assim como o crescimento económico que a sustenta e melhora o nível de vida de toda a sociedade a longo prazo.
A crise evidencia naturalmente o papel crescente do sector público, para onde são canalizados todos os impostos e contribuições ao longo do tempo, tendo, face a isso, como uma das suas missões assegurar a equidade, garantindo direitos básicos e igualdade de oportunidades assim como promover o bem-estar e a coesão social para todos. Foi nesse contexto que, na fase do choque, foi obrigado a impor medidas de mitigação para reduzir a atividade económica e, subsequentemente, abolir as restrições à normalidade. De igual modo, o ritmo de recuperação desejável dependerá também das políticas adotadas durante a crise que compensem a paragem. Se essas medidas assegurarem que os trabalhadores não percam postos de trabalho, que as empresas não se desmoronem e que as redes económicas e comerciais sejam preservadas, a recuperação será mais rápida e sem entraves. Este é um enorme desafio para as economias ocidentais.
Note-se também que a queda da produção e em diversos serviços, com o turismo à cabeça, não foi inicialmente causada pela procura, mas foi uma consequência inevitável das medidas destinadas a limitar a propagação da doença. Assim, o papel da política económica não deve ser o de estimular a procura agregada, pelo menos não inicialmente, mas sim o de se concentrar na oferta – o sector produtivo privado –, garantindo o funcionamento da máquina produtiva e evitando perturbações económicas excessivas. Este processo deverá manter a inflação na medida do possível. Se as medidas forem bem sucedidas, é provável que as taxas de juro e a procura agregada se mantenham sustentáveis na fase de recuperação. Nessas circunstâncias, o estímulo orçamental será uma resposta adequada e altamente eficaz na maioria das economias ocidentais. Assim, sendo certo que o sucesso da recuperação económica depende de ações de saúde pública para controlar o vírus rápida e eficazmente, é igualmente verdade que são necessárias medidas políticas adequadas por parte dos governos e dos bancos centrais para estimular a recuperação dos rendimentos das famílias e das empresas mais afetadas.
Neste contexto, desenvolvi um modelo de equilíbrio geral capaz de replicar os dados dos Estados Unidos e dos países membros da União Europeia. Tomei como exemplo uma economia que no período pré-crise, ou seja, dezembro de 2019, apresentasse uma taxa de crescimento de 2%, uma taxa de inflação de 3% e um salário médio da função pública superior ao salário médio do sector privado em 10% – no fundo, o que se observa nos dados reais para as últimas décadas na média dos países acima referidos. Depois considerei que a economia registou um choque negativo na produtividade do trabalho do sector privado de apenas 10%, para observar que, na sequência desse choque, a taxa de crescimento passa para -7%, a taxa de inflação sobe para 4% e o salário médio da função pública passa a ser superior ao do sector privado em 15%, sendo ainda de destacar a quebra do bem-estar social em cerca de 20%, em especial nos trabalhadores do sector privado para quem o bem-estar social decresce em 32%. A correção destes valores induzidos pelo choque exigem, como referido acima, intervenção adequada do governo, com política fiscal de estímulo à atividade produtiva, conjugada com intervenção apropriada dos bancos centrais, com política monetária de alívio de restrições ao crédito.
Seja como for, ou seja, imaginando que as políticas fiscal e monetária repõem a situação inicial em matéria de taxas de crescimento e de inflação e que o salário médio da função pública volta a ser superior ao do sector privado em 10%, haverá sempre uma perda enorme durante a dinâmica de transição para o equilíbrio inicial, sendo essa perda gigantesca para o sector privado.