Nuno Guita, Jornal i

Mas de uma traição - quando lhes convém.

Reza a História, que em 139 a.C., depois de uma longa guerra contra os romanos, Viriato enviou Audax, Ditalcus e Minurus (que não eram Lusitanos) para negociar os termos do tratado de paz. Mas, tendo sido subornados pelos romanos, apunhalaram à traição Viriato enquanto este dormia. Após o crime, dirigiram-se os três a Roma onde pretendiam receber a recompensa prometida. Porém, segundo a mesma história, o general romano Servilius Caepio, em vez de pagar o suborno, ordenou a sua execução na praça pública ficando os corpos expostos com a seguinte inscrição: ”Roma traditoribus non premiae” – (Roma não paga a traidores).
Pela história da guerra lusitana lembramos o quanto todos gostamos de uma traição, suborno, cunha ou simples jeitinho quando nos convêm – mas também desprezamos o bufo, corrupto, trapaceiro ou simples aldrabão.
Tomou posse esta semana o novo Procurador-Geral da República da Guiné-Bissau, Fernando Gomes, que anunciou o combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, entre outros, como sua prioridade. Também o Presidente angolano já prometia em 2018 o seu empenho contra os “marimbondos” – é que ninguém gosta de corruptos!
Notavelmente o presidente Paul Kagame afirmava em 2019 que "a corrupção não é um vício africano nem faz parte do destino do continente" e que “a origem e maiores beneficiários da corrupção estão fora da África", o que eu posso testemunhar e continua sendo o caso.
Também em Portugal, na mesma linha discursiva, anunciou a Sr.ª Ministra da Justiça, em dezembro passado, a criação de mais um grupo de trabalho, para a “estratégia nacional, global e integrada de combate à corrupção” . Como sabemos, uma Comissão ou grupo de trabalho, criam-se quando não se quer resolver um problema e assim o assunto morre na gaveta.
Mas nisto convergimos com a Europa. A Comissão Europeia também desde 2016,que deixou de enviar, o relatório anti corrupção da UE, nem elaborou uma verdadeira estratégia conjunta anti corrupção, limitando-se a uma intervenção esporádica, apesar das insistentes interpelações do parlamento europeu nesse sentido, e pouco faz apesar dos avultados recursos empregues para agir contra a corrupção na Europa ou suas manifestações de crime organizado .
Entretanto, muito lentamente vem o tema do Compliance fazendo o seu percurso em Portugal. Ainda tímido, mas consistente: depois da Pós-graduação sobre Compliance, no Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e da formação avançada em Compliance, do Instituto de Formação Bancária, foi tempo de pela mão do Compliance Lab, da faculdade de Direito da Universidade Nova, surgir um curso de “Compliance para a prevenção da corrupção”. Para não ficarem aquém, também outras instituições se estão a lançar no tema. O que pecando por tardio, mais do que nunca.
Associado ao tema da corrupção, da sua prevenção ou mitigação e Compliance, surge-nos sempre o tema do Whistleblower e dos canais de denúncia. Depois de tanta resistência paroquial portuguesa, lá encontrou aprotecção dos denunciantes, por via da legislação europeia , o seu caminho até nós. A Transparência Internacional e outros apresentam o denunciante como alguém que cit.: “simplesmente, divulga (…) ou denuncia(…) irregularidades (…)” e pretendem distancia-lo da figura pidesca do “bufo”, mas sem convencerem muita gente.
É certo que em todas as formas de criminalidade organizada os esforços de investigação e descoberta são vãos se não dispuserem de informações precisas sobre o planeamento, circunstâncias e execução dos crimes. Essas informações encontram-se no interior do círculo de pessoas em conluio, como nos ensina Joel M. Cohen, o procurador federal que liderou com sucesso a acusação contra Robert Belfort- o “Lobo da Wall Street” – que justamente só foi possível com recurso à delação premiada.
Nas organizações e na realidade as regras do jogo parecem muito diferentes do desejável. Obviamente, no quotidiano os delitos não correspondem às histórias românticas que a ficção nos apresenta. Na realidade, os trabalhadores vêem-se confrontados com realidades muito difíceis quando levantam preocupações que por exemplo possam atrasar os projetos o que ocorre em qualquer empresa (veja-se o caso da Boeing). Ainda recentemente, foi a mesma administração que contratou o consultor externo para esclarecer as suspeitas de corrupção privada, trazidas por um denunciante, que anteriormente e durante anos, resistiu aos alertas trazidos pelos seus funcionários.
Na maioria das organizações são os trabalhadores quem nas suas funções, directamente se apercebe dos desvios e perversões. Mas somos todos amestrados a satisfazer expectativas – e ninguém gosta do traidor.
Esta contradição promove entre nós (e não só) a maior hipocrisia quando nos confrontamos com comportamentos desviantes. Por um lado, assumimos a violação das regras, quando fracionamos o valor da obra pública por forma a viabilizar a adjudicação directa de uma empresa de um parente, amigo ou favorecido, mas, por outro lado, bradamos aos quatro cantos a vergonha em que se tornou o mundo, quando verificamos que nesse procedimento o beneficiado foi outro.
Para começar, era importante falar verdade às pessoas e ser consistente nas regras que se quer impor. Não se pode servir a dois senhores – já é bíblico. E se o combate à corrupção necessita de denunciantes, que sejamos claros tanto no que isso significa, quanto em assumir esses riscos.
Não podemos é ter a ingenuidade ou desonestidade, para pensar que se pode limpar o “esgoto sem se salpicar”.