António João Maia, Expresso online

Prevenir a fraude e a corrupção nas organizações – liderança e foco nas pessoas

Cumpre-se já no próximo mês o quarto aniversário sobre a adoção do Regime Geral de Prevenção da Corrupção (RGPC) no nosso país. De acordo com o referido regime (Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro), que inclui também o Regime Geral de Proteção dos Denunciantes de Infrações (Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro), as entidades, públicas ou privadas, que tenham 50 0u mais trabalhadores têm obrigatoriamente de adotar um conjunto de medidas e instrumentos de cuidado e proteção relativamente a riscos de serem vítimas de fraude e corrupção.

Essas medidas traduzem-se designadamente na adoção de:

i) Códigos de Conduta (CC), que identifiquem os valores éticos que melhor enquadrem a sua atividade, e referenciais comportamentais a ter em consideração por todos os que nela exerçam funções;

ii) Planos de Prevenção de Riscos de Corrupção e Infrações Conexas (PPR), que, por antecipação e num processo de análise crítica interno, participado pelos dirigentes e trabalhadores mais experientes em cada área funcional, identifiquem as fragilidades ou riscos de corrupção em cada departamento, e adotem medidas preventivas que, com razoabilidade, permitam a redução da probabilidade de ocorrerem;

iii) Canais de Denúncia (CD), que permitam desocultar ocorrências de fraude e corrupção (de má gestão em sentido genérico) que subsistam, no sentido de, com provas legalmente válidas, se apliquem as devidas punições aos seus autores;

iv) Programas de Comunicação e Formação (PCF), que devem ser frequentados por todos os que exercem funções na entidade, incluindo os dirigentes de topo, com o propósito de os envolver relativamente à importância das questões da ética, integridade, fraude e corrupção, bem como no conhecimento do conteúdo e cumprimento das medidas vertidas nos instrumentos indicados anteriormente;

v) Um Sistema de Controlo Interno (SCI), através do qual a entidade identifica, sistematiza e articula, os diversos instrumentos definidores da sua organização e gestão, incluindo os que respeitam ao RGPC que aqui indicamos;

vi) Responsável pelo Cumprimento Normativo (RCN), função de grande relevância e responsabilidade, que deve em permanência verificar e garantir que todos os instrumentos do RGPC existem na organização, que todos os que nela exercem funções os conhecem e cumprem adequadamente as medidas neles vertidas. O RCN deve garantir igualmente a produção atempada e adequada dos relatórios anuais de execução do PPR, bem como as atualizações do CC e PPR a cada três anos.

Nos termos dos mesmos diplomas, o incumprimento deste quadro de medidas é suscetível de motivar a aplicação das sanções pecuniárias previstas no art.º 20º do Anexo ao Dec-Lei nº 109-E/2021, de 9 de dezembro, e no art.º 7º da Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro.

Pela sua natureza, o quadro de instrumentos e medidas do RGPC é reconhecidamente adequado para robustecer as organizações na defesa de problemas de ética e integridade. Eles incluem medidas promotoras da integridade (o CC), de prevenção de riscos (o PPR), de despiste de ocorrências (o CD), de envolvimento dos trabalhadores (o PFC), e de acompanhamento em permanência (o RCN), bem como de sistematização simples de toda a arquitetura de organização, gestão e controlo da entidade (o SCI).

Porém, para que possam alcançar mais adequadamente esse robustecimento, será necessário que sejam devidamente operacionalizados. Que saiam do papel, como muitas vezes se diz. Que haja liderança na sua dinamização, e que sejam efetivamente levados ao conhecimento e à reflexão de todos os que exercem atividades na entidade.

E para que haja liderança, será necessário que direção de topo se envolva diretamente, de forma permanente, entusiasta, clara e inequívoca, em todo o processo de elaboração, articulação e dinamização dos instrumentos dentro da organização, incluindo na participação nos Programas de Formação e Comunicação, bem como na exemplaridade que deve dar no cumprimento integral das medidas previstas, na lógica de que o exemplo vem de cima.

Por razões académicas, formativas e profissionais, tenho tido a oportunidade de acompanhar muito de perto o modo como muitas entidades em Portugal parecem estar a cumprir o RGPC.

E o que tenho testemunhado, neste âmbito, mostra-me ainda uma preocupação da gestão de topo das organizações centrada sobretudo no cumprimento dos formalismos de adoção dos instrumentos, nalguns casos, comprados no mercado, para evitar a aplicação das sanções, e menos na liderança envolvida do processo de dinamização do RGPC, ou seja no aproveitamento mais efetivo do seu potencial de utilidade protetora da entidade.

Na prática estes sinais têm decorrido sobretudo de duas evidências:

a) os dirigentes de topo das organizações praticamente não frequentam as sessões formativas (os PCF), nem de preparação, nem de divulgação. do RGPC das suas entidades, não participando assim nos debates nem nas reflexões, com a agravante de transmitirem sinais aos dirigentes e trabalhadores de que todo esse trabalho é relativamente importante;

b) muitos dirigentes intermédios e a generalidade dos trabalhadores das entidades, não conhecem, nunca leram, ou não sabem que existe na sua organização um conjunto de instrumentos promotores da integridade e de prevenção de riscos de corrupção, mesmo quando esses instrumentos estão disponibilizados nos sítios da internet das suas entidades, por vezes há alguns anos.

A liderança e o envolvimento de todos os trabalhadores das organizações na elaboração, dinamização, conhecimento e cumprimento dos instrumentos do RGPC é uma componente fundamental para potenciar a sua eficácia, bem como para melhorar a qualidade do serviço que prestam, e também para reforçar a confiança junto dos cidadãos em geral.