Miguel Abrantes, Jornal SOL
A fraude carrossel consubstancia o efeito secundário mais visível da livre circulação de bens, que é um dos pilares da União Europeia. Tendo em conta a magnitude dos montantes em causa e a desconfiança que provoca na circulação de bens intracomunitária, é essencial melhorar os controlos referentes à circulação de bens no interior da União Europeia.
O espaço económico da União Europeia constitui o mecanismo mais eficaz de integração económica que já foi criado. Este espaço económico é constituído por «quatro liberdades de circulação»: de pessoas, de bens, de serviços e de capitais.
Estas quatro liberdades representam, por um lado, direitos fundamentais, que promovem a dignidade e o bem-estar dos cidadãos comunitários e, por outro, objetivos económicos com vista à criação do mercado único, o qual fomenta o crescimento económico, o aumento dos postos de trabalho e a atratividade para o investimento reprodutivo.
Para concretizar a liberdade de circulação de bens, foi criado um regime fiscal nos termos do qual, em muitos casos, existe isenção de IVA nas transações intracomunitárias.
Este regime, todavia, teve como efeito secundário o aparecimento da chamada fraude carrossel, a qual requer a participação, no mínimo, de três entidades.
A primeira (designada «conduit company») vende os bens com isenção de IVA a outra entidade localizada num Estado-Membro diferente (designada «missing company»), a qual, por sua vez, os revende a uma terceira entidade («adquirente») localizada no mesmo Estado-Membro.
O «missing trader», quando procede à revenda, cobra IVA ao adquirente, mas não declara a operação às autoridades tributárias. Quando a transação é detetada, o «missing trader» desaparece. Na prática, trata-se de uma empresa falsa, sem qualquer atividade.
Esta operação resulta numa perda fiscal dupla. Pois, o «missing trader» não declara a venda e o «adquirente» deduz o IVA ficticiamente pago ao mesmo «missing trader».
Os bens podem voltar à empresa do Estado-Membro que, no início da operação, os vendeu à empresa de outro Estado-Membro e, assim, fazer o mesmo circuito repetidamente, sendo, por isso, esta fraude designada de carrossel. E cada vez que este circuito se repete os lucros ilegítimos aumentam e a receita fiscal dos estados diminui.
Os bens envolvidos nesta fraude são, essencialmente, equipamentos eletrónicos, automóveis e combustíveis.
Segundo é referido na investigação Grand Theft Europe (um projeto europeu coordenado por um centro de investigação alemão), anualmente são desviados cerca de 50 mil milhões de euros devido à prática da fraude carrossel.
Segundo a mesma investigação, a fraude carrossel, além defraudar as finanças dos países da União Europeia, tem sido utilizada para financiar o terrorismo. Foi citado, designadamente, o exemplo de uma organização terrorista localizada em Melilla, que utilizou uma rede localizada na Dinamarca composta por 40 empresas para se apropriar de uma quantia superior a oito milhões de euros, com os quais pagou viagens a membros do Daesh.
Em Portugal, não existe notícia de terem sido detetados esquemas de fraude carrossel com ligações ao financiamento do terrorismo.
Em contrapartida, no nosso país teve origem um dos maiores esquemas de fuga ao fisco através de fraude carrossel. Este esquema denominado «Admiral» atingiu um montante de 2,2 mil milhões de euros e empresas pertencentes a vários Estados.
O referido esquema envolveu a criação de empresas fictícias que comercializaram dentro da União Europeia bens eletrónicos. Além da fraude carrossel, existem, também, suspeitas de terem sido cometidos crimes de associação criminosa, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
A Autoridade Tributária portuguesa iniciou a operação com a investigação a uma empresa de venda de material informático por suspeita de fraude ao IVA. Posteriormente, os resultados da investigação foram transmitidos à Procuradoria Europeia.
A empresa em causa, em Portugal, não tinha cometido nenhuma ilegalidade: as declarações fiscais coincidiam com a faturação apresentada. Todavia, uma investigação mais aprofundada, com o auxílio de organismos internacionais, permitiu concluir que existiam ligações entre a mesma empresa e cerca de 9.000 outras entidades e mais de 600 pessoas singulares localizadas em diferentes países.
As operações consubstanciavam-se na criação de empresas fictícias que vendiam «online» aparelhos eletrónicos e, posteriormente, reclamavam reembolsos de IVA junto das autoridades nacionais. Seguidamente, enviavam o produto financeiro das vendas para o estrangeiro e desapareciam.

