José António Moreira, Expresso online

Claro que o sucesso de uma fraude não depende apenas da ingenuidade da vítima. A criatividade dos burlões desempenha um papel crucial, sobretudo quando conseguem criar um contexto plausível que desarma até os mais cautelosos

"Em 2023, cada habitante de Singapura perdeu, em média, cerca de 4.000 euros em esquemas financeiros fraudulentos, colocando o país no topo do ranking mundial. A Suíça surge em segundo lugar, com 3.700 euros por habitante.” (Financial Times)

É tão antigo quanto a própria Humanidade: pensar e agir como se aquilo que de mau acontece aos outros nunca nos pudesse acontecer.

As ciências que estudam o comportamento humano oferecem explicações para esta tendência que nos impede de aprender com os erros alheios. No centro de tal atitude está uma convicção subliminarmente enraizada — “isso não vai acontecer comigo” — que nos leva a subestimar os riscos associados a determinados comportamentos, mesmo quando confrontados com evidências claras.

Este fenómeno, conhecido como viés de otimismo, ajuda a explicar, em parte, por que razão o número de vítimas de fraude continua a crescer, apesar das campanhas de sensibilização. Os bancos, por exemplo, alertam repetidamente que nunca solicitam por telefone dados de acesso às contas; casos concretos de fraude são amplamente divulgados nos media e nas redes sociais. Ainda assim, o padrão repete-se.

Claro que o sucesso de uma fraude não depende apenas da ingenuidade da vítima. A criatividade dos burlões desempenha um papel crucial, sobretudo quando conseguem criar um contexto plausível que desarma até os mais cautelosos. Um exemplo: a chamada fraude “Olá mãe, olá pai” pode ser facilmente ignorada por quem não tem filhos. Mas para quem os tem — especialmente se estão longe ou em situações delicadas — o impacto emocional pode ser suficiente para suspender o pensamento crítico.

Um caso recente ilustra bem esta dinâmica. Eram cerca de 20h quando G., uma mulher de 70 anos, atendeu o telemóvel. Do outro lado, uma voz masculina, calma e educada, identificou-se como funcionário do banco. Informou que sem a confirmação de alguns dados uma transferência feita naquela tarde não poderia ser processada. O cenário parecia legítimo: G. tinha conta nesse banco e, de facto, uma transferência fora realizada.

O que a protegeu de consequências mais graves foi o facto de a conta ser gerida pela filha, que tinha sido a responsável pela operação. G. não tinha consigo o NIB, nem a chave de acesso, nem o número do cartão. O burlão, perante o insucesso, despediu-se com a promessa de voltar a ligar no dia seguinte. E assim fez. Mas, entretanto, a filha já tinha sido alertada e contactado o banco.

Apesar de não ter sofrido perdas financeiras, G. descreve a experiência como traumática: “Já tinha ouvido falar destas fraudes, mas nunca pensei que… Podia ter perdido todas as poupanças.” A partir desse momento, nunca mais esquecerá o aviso: os bancos nunca pedem dados de acesso por telefone.

Infelizmente, muitos outros, expostos ao mesmo aviso, poderão não ter idêntica sorte quando o telemóvel tocar e uma voz suave os tentar convencer.