Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Neste artigo mostro de forma pedagógica como os eleitores não devem acreditar quando os políticos nos dizem que são os governos (pelo menos os mais recentes) os maiores responsáveis pela evolução da atividade económica, seja ela positiva ou negativa, um assunto que entrou recentemente na campanha eleitoral.
Em primeiro lugar, esclareço que o crescimento económico é um fenómeno melhor estudado no longo prazo – em que se esbatem os efeitos dos ciclos económicos e outros esporádicos –, dependendo da evolução da quantidade física dos fatores produtivos, sobretudo do trabalho e do capital, e da forma como se combinam (a produtividade total dos fatores), onde importa, em particular, a qualidade dos fatores produtivos (que se designa capital humano, no caso do trabalho, e conhecimento tecnológico, no caso do capital) e das instituições.
Sem reformas estruturais significativas no nosso país para promover essas bases do crescimento económico, ele foi, em média, de apenas 1% ao ano desde o início do milénio (de 1999 a 2024). Nesse período, as reformas que tivemos foram as impostas pela troika de credores de 2011 a 2014, salvando o país da bancarrota. Se é certo que o PIB se contraiu nesse período e houve muitas dificuldades, criaram-se condições para depois ele crescer de forma mais vigorosa e sustentada nos anos seguintes, alicerçado nas exportações. Infelizmente, várias reformas foram revertidas, em parte, pela ‘geringonça’.
Seguiram-se as crises da pandemia e da guerra, e a economia tem recuperado com os efeitos temporários do surto de turismo e do PRR, sendo o potencial de crescimento baixo, como venho a referir.
Já se vê que a inação (ou má ação) da generalidade dos sucessivos governos tem penalizado a economia pela ausência de reformas, empobrecendo o país em termos relativos ao aproximá-lo da cauda da União Europeia (UE) em nível de vida. Mesmo assim, qualquer período em que tenhamos crescido ligeiramente acima da UE – um referencial pouco ambicioso, dado estar muito limitado pela fraca evolução da Alemanha, França e Itália – é logo reclamado pelo governo em funções como sendo sua autoria, o que é pura demagogia.
No curto prazo, é possível um governo influenciar conjunturalmente a economia por via dos agregados macroeconómicos que controla direta ou indiretamente (gestão da procura), no âmbito da função de estabilização da atividade económica (i.e., reduzir a amplitude dos ciclos económicos):
· estimular a atividade na fase baixa – em que PIB está abaixo do potencial (output gap negativo) –, para reduzir o desemprego,
· e refreando-a na fase alta (output gap positivo) para evitar a subida da inflação.
Contudo, estimular a economia depende sempre dos agentes económicos, pois se anteciparem que as benesses não são sustentáveis e serão pagas mais à frente com mais impostos, poderão antes poupá-las em vez de as gastar e dinamizar a atividade.
Em 2024, é crível que o crescimento económico tenha ficado ligeiramente acima do esperado (1,9%, que compara com 1,6% no programa da AD de 2024) devido às várias medidas de estímulo de procura (como redução de IRS e subida de pensões, do salário mínimo e de salários em várias carreiras da função pública), que até se dispensariam na tal lógica de estabilização da economia, que ainda está na fase alta (output gap positivo), pelo que se tratou, sobretudo, é importante afirmá-lo, de gestão do ciclo político face à curta maioria parlamentar. Contudo, as medidas foram, sobretudo, um fator permissivo, como mostro abaixo.
Aparentemente, terão sido mais as estratégias promocionais no retalho do que a política de aumento do rendimento disponível do governo a estimular o aumento do consumo e do PIB no último trimestre do ano passado, seguindo-se uma correção da atividade económica no 1º trimestre deste ano.
Os dados do 4º trimestre mostram uma subida trimestral de 1,5% do PIB, em termos reais (2,8% em termos homólogos), que é a maior deste milénio excluindo o período de maiores oscilações da pandemia, tendo sido muito influenciada pela subida do consumo das famílias, a principal rubrica do PIB.
O consumo das famílias subiu 2,9% em cadeia no trimestre – o maior aumento da série, iniciada em 1995, se excluirmos o período instável da pandemia –, impulsionado pelos bens duradouros (7,3%) e bens correntes não alimentares e serviços (2,9%), já que a evolução nos bens alimentares foi mais modesta e normal (0,7%).
É crível que esse aumento histórico do consumo tenha resultado, em grande medida, da estratégia comercial da distribuição, com grandes promoções (como ‘Black Friday’ e Natal) e estímulo do crédito ao consumo (que acelerou na parte final do ano) para escoar stocks de produtos, que registaram uma quebra trimestral (pela primeira vez desde 2020) com bastante significado, enquanto as importações tiveram a maior queda (-1,4%) desde o período da pandemia. Por seu turno, as exportações retomaram um crescimento em cadeia nesse trimestre, mas dentro de uma tendência de abrandamento. Estas condições anómalas explicaram o forte crescimento trimestral do PIB na parte final do ano passado.
É à luz da análise acima que se devem ler os dados provisórios das contas nacionais do 1º trimestre divulgados recentemente pelo INE, que no caso das componentes do PIB contêm apenas informação qualitativa.
Os dados em cadeia mostram uma diminuição de 0,5% do PIB em volume (conduzindo a uma redução da taxa de variação homóloga de 2,8% para 1,6%), após um crescimento de 1,4% no trimestre anterior (revisto face à anterior estimativa de 1,5%). Quanto às componentes, na parte da evolução em cadeia apenas é referido que “o contributo da procura externa líquida para a variação em cadeia do PIB foi negativo enquanto a procura interna registou um contributo nulo”. O mais provável é que a redução das importações e dos stocks se tenha invertido e o consumo tenha registado um crescimento menor ou mesmo uma ligeira correção em baixa. A parte do comunicado em que se faz a análise da evolução homóloga refere um abrandamento do consumo e das exportações de bens e serviços, dinâmicas expectáveis face às tendências recentes e ao contexto externo.
Mais análise só com os dados completos por componentes que sairão dentro de algum tempo, mas face à análise possível aqui apresentada torna-se claro que, afirmar que o governo foi responsável pela queda de 0,5% do PIB no 1º trimestre, é pura demagogia. Quando muito, pode-se dizer que o governo criou condições de aumento do rendimento disponível que favoreceram um maior crescimento do PIB no ano passado, mas foram os agentes económicos, leia-se consumidores e distribuição, que concentraram um pico de consumo e escoamento de produtos no último trimestre, explicando a correção da atividade verificada no início de 2025.
Outras derivações demagógicas dos políticos são delimitar e associar o andamento da atividade económica aos períodos exatos da governação, sendo óbvio que, entre a tomada de decisões e os eventuais efeitos na economia, decorre um período de tempo significativo, além de que há uma inércia elevada da tendência passada que, como já referi, tem sido globalmente penalizadora por ausência de reformas, embora conjunturalmente estejamos a crescer acima da UE devido ao turismo e ao PRR, essencialmente.
A principal conclusão a que chego é que a maioria dos governos que temos tido, salvo honrosas exceções, servem para ‘mandar’ e não para reformar, conduzindo a um contributo marginal ou insignificante na economia e deixando-nos empobrecer no contexto europeu por inação e incapacidade de aproveitar as oportunidades, algo que as economias do leste têm feito, pois a maioria já nos ultrapassou em nível de vida tendo entrado mais tarde na UE e recebido muito menos fundos europeus.
Até que apareça um governo reformista que mude o estado das coisas, ‘não saímos da cepa torta’. Só então poderemos dizer que o governo teve um impacto positivo, efetivo e transformador, na economia. Tudo o resto é demagogia – em particular, influências de curto prazo, muito dependentes de fatores temporários não controláveis pelo governo – como procurei aqui demonstrar de forma pedagógica.