Maria Natália Gonçalves, OBEGEF

Tem crescido uma classe média que se sente defraudada por mais de 50 anos de devaneios de governação predominantemente de esquerda. As evidências são óbvias e só não são devidamente entendidas por causa de uma certa arrogância intelectual que parte da premissa ser possível cristalizar ideologicamente a democracia.

A tribo de Issacar é apresentada no livro de 1Crónicas 12:32 como aquela que conseguia discernir os sinais do tempo, para saber o que devia ser feito. Tudo indica que o Portugal político de hoje não tem sabido exercer esse discernimento, pois se assim fosse, o espanto com os resultados eleitorais do último domingo não existiria.

Tem crescido uma classe média que se sente defraudada por mais de 50 anos de devaneios de governação predominantemente de esquerda. As evidências são óbvias e só não são devidamente entendidas por causa de uma certa arrogância intelectual que parte da premissa ser possível cristalizar ideologicamente a democracia.

Nas últimas duas décadas, o PS governou 15 anos.

Desde o 25 de abril, Portugal foi intervencionado três vezes pelo Fundo Monetário Internacional. A primeira foi em 1977 (a pedido do primeiro ministro do PS), seguiu-se 1983 (a pedido do primeiro-ministro do PS) e por fim 2011 (a pedido do primeiro ministro do PS).

Se fizermos uma retrospetiva, é possível identificar ao longo do tempo um conjunto de sinais reveladores de desencantamento democrático. O mais flagrante foi o aumento da taxa de abstenção nas eleições legislativas. Segundo dados do portal estatístico PORDATA, em 1976 a taxa de abstenção nas eleições para a AR era de 16,7%, em 2019, de 51,4%, e em 2024, de 40,2%.

Curiosamente, a taxa de abstenção tem reduzido desde 2019, altura em que o populismo português começou a emergir. Segundo os dados conhecidos à data, as eleições de maio de 2025, contam com uma taxa de abstenção de 35.62%.

Na raiz do insatisfação estão uma classe média sobrecarregada com impostos ao serviço de políticas sociais assistencialistas injustas; jovens qualificados à custa do erário público e que compreensivelmente ou não decidem fazer as suas vidas no estrangeiro; empresas sem a estabilidade fiscal necessária a um planeamento estratégico de médio e longo prazo; a desertificação progressiva do interior e subtração de serviços e infraestruturas; a imigração desordenada; a desvalorização social e salarial do professor na escola pública; o esboroar dos valores do modelo tradicional de família; a habitação a valores proibitivos e o enfraquecimento do SNS...

A isto se soma uma classe política enclaustrada na ‘bolha’ da capital, envolvida em mordomias e habituada a uma certa promiscuidade com o poder económico. Enquanto isso, entre escândalos, tricas e futricas, em democracia, apenas 6 dos 24 governos eleitos terminaram o seu mandato.

A chegada em 2019 de uma força partidária populista que se apresenta com a vocação messiânica de libertar Portugal, foi primeiro vista com incredulidade, mas no passado domingo 1 345 689 de votantes olharam para o Chega como uma âncora.

A classe média chegou ao limite do suportável e, imprudentemente, agarra-se a quem lhes acena com o alívio da possibilidade de correção das injustiças e  perversões do socialismo irresponsável.

Não creio que os eleitores do Chega apreciem as armas do populismo. A atração pela truculência, agressividade e radicalismo é sintoma de uma sociedade exaurida e ressentida. Não quero crer tratarem-se de portugueses militantes viscerais da extrema-direita, mas antes portugueses que estão esgotados dos mais de 50 anos de desgovernação.

Não devemos subestimar a voz da democracia, mas salvemo-nos de nós mesmos, porque o dogmatismo cega e um dia a conta chega.