Mário Tavares da Silva, OBEGEF

Em nosso entender, será aí que reside o ponto de justa calibragem entre as responsabilidades paralelas e simultaneamente complementares, de controlar e de executar, e em que todos os Estados-Membros, Comissão Europeia e autoridades de controlo, nacionais e europeias, se deverão, futuramente, saber posicionar.”

No quadro da auditoria recentemente desenvolvida pelo Tribunal de Contas Europeu, relativa à contratação pública (Relatório Especial 9/2025), aquela importante instância europeia de controlo teve oportunidade de emitir uma opinião quanto aos sistemas de controlo existentes no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), procurando, entre outros aspetos, confirmar se esses sistemas, instituídos pelos Estados-Membros, se mostravam realmente eficazes e se, nessa medida, ofereciam suficientes garantias quanto ao cumprimento das regras relativas aos contratos públicos pelas diferentes medidas financiadas pelo PRR.  

Como naturalmente se reconhece, o objetivo do Tribunal apresenta-se, uma vez mais, meritório, dado que procura concorrer, pelos resultados da sua ação, para o reforço da garantia, a nível da UE, da conformidade dos projetos de investimento financiados pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) com a regulamentação relativa aos contratos públicos.

Este aspeto é tanto mais relevante se tivermos em linha de conta que um não negligenciável portfólio de investimentos coenvolvendo contratos públicos, se encontra ainda por executar no lapso temporal que ainda temos pela frente e que se prolongará até ao final de 2026.

Neste trabalho, o TCE selecionou, de entre o universo dos Estados-Membros que haviam concretizado pedidos de pagamento até ao final de abril de 2023, cinco Estados-Membros, entre os quais figura a Croácia, Républica Checa, França, Itália e Espanha, tendo os auditores concluído que apesar de se evidenciarem melhorias, a Comissão não teria conseguido, ainda assim, obter garantias suficientes de que os Estados-Membros dispunham de um eficaz sistema de controlo interno e que fosse capaz de garantir, nessa medida, a regularidade das despesas do MRR face às exigências legais da contratação pública.

Complementarmente, o TCE, tomando por base a possibilidade concedida aos Estados-Membros pelo Regulamento do MRR no sentido de poderem utilizar os seus próprios sistemas de gestão e controlo, assinala como fragilidade a ausência de quaisquer requisitos pré-definidos para o seu funcionamento, em especial no domínio da contratação pública, circunstância a que se soma ainda, no entender do TCE, a constatação de uma insuficiente atenção dada aos controlos sob responsabilidade dos Estados-Membros.

Aqui chegados, é importante não perder de vista o essencial.

Assim, é igualmente relevante perceber que o quadro de acompanhamento e controlo implementado pela Comissão para fiscalização do MRR, reflete, em primeira linha, a sua natureza específica de instrumento associado a desempenho, em que os únicos beneficiários são os Estados-Membros, que se comprometem, é certo, por sua vez, a aplicar um conjunto de medidas (marcos e metas), definidos pelo Conselho como obrigatórios para a concretização dos pedidos de pagamento/desembolsos a submeter à Comissão Europeia.

A natureza deste instrumento de financiamento europeu, primacialmente orientado para a concretização satisfatória de marcos e metas acordados como obrigatórios entre os diferentes Estados-Membros e a Comissão Europeia, assume condição essencial para o sucesso de cada pedido de pagamento apresentado. De tal modo que os sistemas de controlo traduzem, pois, essa natureza diferenciada do PRR, em que a primeira linha de atuação não é tanto a comprovação da despesa, a que já nos habituáramos no âmbito dos fundos da coesão, antes sim o atingimento de marcos e metas pelos Estados-Membros.

Na realidade, e se é certo que há ainda muito para melhorar nos diferentes Estados -Membros quanto ao reforço dos controlos sobre áreas tão sensíveis como sucede com a da contratação pública, também não é menos verdade que a natureza diferenciada do MRR, associada ao exigente calendário para a sua execução, deveria oferecer aos Estados-Membros soluções mais ajustadas e proporcionais, em que se garantisse um justo equilíbrio e sentido de proporcionalidade entre as medidas essenciais para mitigar os riscos de fraude e de corrupção, em especial no domínio da contratação pública, e uma execução célere e em conformidade com a regulamentação aplicável aos múltiplos investimentos inseridos no programa.

Em nosso entender, será aí que reside o ponto de justa calibragem entre as responsabilidades paralelas e simultaneamente complementares, de controlar e de executar, e em que todos os Estados-Membros, Comissão Europeia e autoridades de controlo, nacionais e europeias, se deverão, futuramente, saber posicionar.

A não ser assim, corremos o sério risco de transformar um programa (PRR) que assentava numa resposta de emergência associada ao cumprimento de objetivos, num infindável espartilho de exigências regulatórias, com todas as consequências que daí possam emergir.

Veremos o que o futuro nos reserva, na certeza, porém, de que todos, sem exceção, devemos saber retirar as melhores lições para o futuro do próximo instrumento de financiamento europeu.