António João Maia, Jornal i online
Estas dinâmicas comunicacionais são muito relevantes numa lógica de qualidade dos serviços prestados, e enquanto fatores geradores de maior credibilidade e confiança junto dos utentes e dos cidadãos em geral
É cada maior o número de entidades, públicas e privadas, que dispõem de assistentes de IA nos canais de comunicação com os utentes ou clientes, tanto no acesso online, como através de linhas telefónicas de apoio.
Estes assistentes virtuais, dizem-nos, existem para ajudar e facilitar o processo de comunicação com a entidade. Desde logo, porque estão disponíveis 24 horas por dia e 7 dias por semana.
Porém, à medida que vamos tendo contacto com eles, que se apresentam sempre com nomes e mensagens muito simpáticas, vamos verificando que, afinal de contas, ainda têm muitas limitações e arestas por limar. E este aspeto não será de estranhar. É da natureza destas ferramentas, dizem-nos os especialistas, aprenderem à medida que vão interagindo com a realidade para a qual foram criadas, que é como quem diz, com os problemas e as questões concretas que os utentes ou clientes lhes vão colocando.
Neste sentido, o que será de esperar é que, pelo menos na fase transitória de consolidação do processo de aprendizagem, a ação dos assistentes de IA seja complementada por assistentes humanos. Para que, quando as questões apresentadas sejam muito específicas, complexas ou fora do comum, haja alguém que apoie efetivamente, afastando ou reduzindo o risco de se gerar uma natural irritação e frustração junto de quem, naquele momento, precisa de apoio ou esclarecimentos.
A motivação para esta reflexão suscitou-se-me com um problema concreto desta natureza que me sucedeu recentemente e que passo a descrever:
A passagem da tempestade “martinho” pela zona da minha residência provocou um rasto de destruição, que se traduziu sobretudo no derrube de muitas árvores. Ao caírem, essas árvores destruíram as infraestruturas de fornecimento de eletricidade e de serviços de cabo e internet.
Contactámos as companhias fornecedoras de tais serviços a fim de comunicar essa circunstância e de termos informação sobre o modo e o tempo necessário a reposição dos serviços. O contacto com a entidade prestadora do fornecimento de eletricidade funcionou adequadamente e de forma esclarecedora (fomos atendidos por um assistente humano, por assim dizer) e, dentro dos muitos pedidos de apoio, o serviço foi reposto poucos dias depois, certamente porque a infraestrutura terá ficado menos afetada do que a dos serviços de cabo e internet.
Quanto ao contacto com a prestadora destes serviços de cabo e internet, tivemos, e continuamos a ter (já passaram quase três semanas!), muita dificuldade em obter elementos informativos adequados, nomeadamente no sentido de percebermos como e sobretudo quando vamos voltar a dispor dos serviços.
Quando fizemos o contacto para a linha telefónica de apoio, o assistente de IA questionava-nos se pretendíamos comunicar em língua portuguesa ou inglesa, ao que optámos pela primeira. Até aqui tudo perfeitamente normal.
Depois eram-nos colocadas diversas opções para escolhermos aquela que corresponderia à razão de ser do pedido de apoio. Nenhuma delas se enquadrava com o problema.
As opções propostas compreendiam: informações sobre os pacotes de serviços disponibilizados pela entidade; informações sobre faturação; informações sobre ativar ou desativar o fornecimento total ou parcial do serviço; dificuldades no acesso a canais de TV; e outras opções, sendo esta última a que verdadeiramente nos parecia mais adequada para a exposição do problema e para a recolha de elementos quanto à previsibilidade da reposição do serviço.
Foi nesta opção que nos foi pedido para dizermos, em poucas palavras, a questão que ali nos tinha. Depois de referir que a rede de distribuição do serviço estava destruída, seguiu-se um silêncio de alguns segundos, a que se seguiu novo pedido de fornecimento de mais alguns detalhes, o que fizemos, seguindo-se novamente uma pausa silenciosa, e novo pedido de mais elementos adicionais, e assim sucessivamente, num ciclo interminável de pedidos de esclarecimentos adicionais, pelo assistente virtual, e de um crescente sentimento de incapacidade e sobretudo de imbecilidade, em nós.
Vários vizinhos que têm serviços de cabo e internet na mesma operadora relatam exatamente esta mesma experiência.
A leitura que faço da situação é que o assistente de IA não foi parametrizado para a opção “problemas ou destruição da rede” (que é de facto muito atípica) e que por isso não conseguia lidar com as palavras que lhe vão chegando dos utentes (e por certo que naqueles dias houve muitos contactos noutras zonas do país a tentar relatar problemas semelhantes).
O problema, e aqui é que estará efetivamente a falha de quem arquitetou e estruturou este serviço de apoio ao cliente, é que ele não permite em nenhuma das suas opções o contacto com um assistente humano, que possibilite o apoio a questões mais atípicas e incomuns, como era o caso.
Entretanto a modelação de funcionamento da linha de apoio sofreu uma ligeira alteração, apesar de continuar a não permitir o contacto com nenhum assistente humano. Agora, e desde há cerca de uma semana, ao ligarmos a linha de apoio, e por certo por associação ao nosso número de telefone, ouvimos uma mensagem que nos diz que “foi detetada uma avaria na sua zona, sendo previsível a sua reparação até à meia-noite”, o que continua a gerar em nós sentimentos de imbecilidade.
Para lá do apoio concreto que é devido e deve ser prestado eficazmente pelas organizações a clientes e utentes, estas dinâmicas comunicacionais são também muito relevantes numa lógica de qualidade dos serviços prestados, e enquanto fatores geradores de maior credibilidade e confiança junto dos utentes e dos cidadãos em geral.
Os gestores das organizações, e aqueles que pensam e estruturam as diversas componentes tecnológicas que as fazem operar, não podem deixar de perceber que a satisfação das expectativas dos utentes e clientes é um elemento fundamental para o sucesso de toda a operação e até para a sobrevivência da própria organização.