Miguel Viegas, OBEGEF

A proposta de Gabriel Zucman de taxar 2% as fortunas superiores a mil milhões de euros assume hoje plena atualidade e deveria estar na agenda do debate política de Portugal e da Europa.

Ainda sob os ecos da discussão do Orçamento de Estado para 2025, recém-aprovado na Assembleia da República, vale a pena aproveitar o momento para discutir a tributação e o modelo fiscal que queremos para as nossas sociedades. Os desafios estão colocados, designadamente em matéria de transição climática. Em vez do habitual leilão parlamentar a ver quem propõe baixar mais impostos, seria bom discutir onde iremos reunir os fundos necessários para financiar as medidas políticas necessárias para preservar a nossa qualidade de vida sem colocarmos em risco o futuro do planeta. O economista francês Gabriel Zucman, professor da Universidade de Berkeley e diretor do Observatório Europeu da Fiscalidade, desafiou recentemente o G20 a avançar com um imposto anual de 2% sobre o património das 3.000 pessoas com uma fortuna superior a mil milhões de dólares. Esta medida representa uma receita avaliada entre 200 e 250 mil milhões de dólares por ano. Vale a pena ser discutida.

Nas últimas décadas, as fortunas aumentaram drasticamente, de acordo com Gabriel Zucman no seu relatório que suporta a proposta (Zucman, 2024). De acordo com um relatório recente da Oxfam, a riqueza das 3 mil famílias mais ricas do mundo representava 13% do Produto Interno Bruto (PIB) global (Kamande et al., 2024). Os bilionários ganharam 2,7 mil milhões de dólares por dia desde 2020, em muitos casos graças aos apoios públicos concedidos durante a pandemia do Covid-19 (Christensen et al., 2023). Em suma, nunca até aos dias de hoje houve tantos ricos, e nunca os ricos foram tão ricos. Ao mesmo tempo que cresce o fosso entre ricos e pobres, cresce na mesma proporção a injustiça fiscal. As grandes fortunas, com a prestimosa ajuda das grandes empresas de consultadoria fiscal, pagam apenas uma pequena fração do que é exigido a qualquer cidadão trabalhador por conta de outrem ou a qualquer pequena e média empresa. A título de exemplo, em 2018, Elon Musk, então o segundo homem mais rico do mundo, não pagou um centavo em impostos federais. Jeff Bezos, também, não pagou impostos em 2007, nem em 2011. Em França, um país conhecido por seus altos níveis de tributação, as 370 famílias mais ricas pagam taxas efetivas de imposto em torno de 2% a 3%, denunciavam 130 eurodeputados de várias famílias políticas num apelo publicado no jornal “Le Monde” em 2023.

Esta incapacidade de impor a progressividade do imposto nos escalões mais elevados de rendimento e património priva os governos de importantes receitas fiscais e contribui para concentrar os ganhos da globalização nos mais ricos, minando assim a sustentabilidade social da integração económica global. Ao mesmo tempo compromete a viabilidade de uma transição ecológico que carece de fundos públicos colossais, sem os quais será muito difícil cumprir as metas de descarbonificação acordadas internacionalmente. Para reduzir as desigualdades patrimoniais, Gabriel Zucman propõe instituir um imposto anual de 2% sobre o patrimônio das 3.000 pessoas cujo património ultrapasse 1 milhar de milhões de dólares. Essa medida arrecadaria entre 200 e 250 bilhões de dólares por ano. E se fosse ampliada para incluir indivíduos com fortunas entre 100 milhões e 1000 milhões de dólares, poderia representar um acréscimo de receita de 140 mil milhões de dólares.

Na proposta do economista francês, esta taxa deve ser implementada a nível nacional, necessitando apenas de um grupo suficientemente amplo a representativo de países que queiram avançar, dispensando a complexa elaboração e ratificação de um acordo multilateral. Para viabilizar esta proposta, é fundamental aproveitar o impulso do G20 e os progressos registados na cooperação fiscal internacional desde meados da década de 2010. Em 2017, mais de 100 países e territórios aderiram à troca automática de informações. Em 2021, mais de 130 jurisdições concordaram em fixar um imposto mínimo comum de 15% para as grandes empresas multinacionais. Embora ainda haja muito caminho para fazer, estes exemplos mostram que novas formas de cooperação internacional, consideradas utópicas durante muito tempo, acabaram por ver a luz do dia. Vale a pena por isto colocar esta proposta na agenda política, aproveitando também o facto de termos finalmente um português à frente do Conselho Europeu!

Referências:

Christensen, M.-B., Hallum, C., Maitland, A., Parrinello, Q., & Putaturo, C. (2023). Survival of the Richest: How we must tax the super-rich now to fight inequality.

Kamande, A., Walker, J., Matthew, M., & Lawson, M. (2024). The Commitment to Reducing Inequality Index 2024.

Zucman, G. (2024). A blueprint for a coordinated minimum effective taxation standard for ultrahigh-net-worth individuals. Commissioned by the Brazilian G20 Presidency.