Ricardo Passos, OBEGEF
Só existem eleições livres num contexto de liberdade e de democracia plena. Democracia plena implica liberdade e independência entre poder legislativo, governativo e judicial. A entidade que valida os actos eleitorais tem de ser independente do poder governativo.
As recentes eleições na Venezuela têm causado reacções por todo o globo.
Alguns países apresentaram os cumprimentos ao presidente reeleito de acordo com os resultados apresentados pelo Conselho Nacional Eleitoral, outros pediram a apresentação dos registos de contagem de votos, já que consideravam que o processo de contagem e apresentação de resultados não tinha sido transparente e muito provavelmente tinha sido fraudulento.
Podemos definir fraude eleitoral referem-se a práticas ilegais que visam manipular o resultado de uma eleição. Existem vários tipos comuns de fraude:
- Manipulação das listas: Por impedimento à livre candidatura ou por imposição dos candidatos.
- Falsificação dos cadernos eleitorais: Inscrição de eleitores inexistentes ou falecidos seguida de falsificação de identidades para votar em nome de outras pessoas.
- Coação dos eleitores: Por controlo no acesso a informação livre, por distribuição de informação falsa, por impedimento de acesso ao local de votação, por pressão, ameaça ou chantagem ou por “compra” do voto.
- Manipulação dos resultados: Por adulteração dos votos em urna (adição ou remoção), ou na contagem ou na transmissão.
O espectro de fraude eleitoral numas eleições é recorrente. Não se julgue que tal fenómeno se fica por nações mais ou menos conhecidas por regimes repressivos. Nas últimas eleições nos EUA, foi o próprio presidente (Donald Trump) a clamar pela existência de fraude eleitoral quando constatou que perdeu as eleições. Nos EUA tal como na Venezuela parte da população saiu à rua e houve manifestações que acabaram por conduzir a confrontos com as autoridades, com vítimas mortais. A diferença foi que no caso dos EUA os responsáveis pela divulgação dos resultados não se deixaram intimidar pelo governo, pelo contrário, denunciaram as tentativas de coação a que foram sujeitos.
Só existem eleições livres num contexto de liberdade e de democracia plena. Democracia plena implica liberdade e independência entre poder legislativo, governativo e judicial. A entidade que valida os actos eleitorais tem de ser independente do poder governativo.
Praticamente em todos os países do mundo existem eleições, mas isso não quer dizer que elas sejam livres, nem que existam democracias plenas nesses países. Mesmo em regimes ditatoriais, autocráticos ou repressivos, existem eleições, as quais são tentativas de legitimar interna e externamente o poder que mantêm e vão mantendo ao longo do tempo num determinado país.
Em 2006 a Economist Intelligence Unit da revista The Economist criou o Índice de Democracia para examinar o estado da democracia num conjunto de países (actualmente 167). Os critérios de avaliação são cinco: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis. Cada item é classificado de 0 a 10. Após a avaliação dos cinco itens, os países são classificados em "democracias plenas", "democracias imperfeitas", "regimes híbridos" (todos considerados democracias) e "regimes autoritários" (considerados governos ditatoriais).
A 14 de Fevereiro foi publicado o mais recente relatório do índice:
Democracy Index 2023 | Economist Intelligence Unit (eiu.com)
Países europeus e anglófonos são os mais bem classificados e as situações mais obscuras estão na Ásia, África e alguns países da América Central e América do Sul, como a já referida Venezuela.
O processo de mudança nesses países não será uma coisa simples.
Garantir que uma eleição foi justa envolve a implementação de várias medidas que asseguram a integridade, transparência e confiança no processo eleitoral.
- Liberdade no acesso à informação: É fundamental o acesso a informação dos mais variados sectores, variados ideias políticos e pontos de vista. Note-se como o acesso à informação é fortemente controlado em países como a China ou como a Rússia. Eu acredito que os resultados das eleições na Rússia, espelham os votos validamente expressos. Estou crente que a maioria da população vota em Putin. Mas existe fraude, consubstanciada pela coação dos eleitores, já que não têm acesso a informação livre e ainda pela manipulação das listas, onde só aparece quem o governo quer.
- Legislação justa: Ter leis eleitorais que sejam aplicadas de forma imparcial a todos os candidatos e partidos, permitindo pluralidade de ideias e candidatos. Também é necessário assegurar que todos os eleitores tenham igual acesso às urnas, sem discriminação por motivos de raça, género, localização ou condição social.
- Supervisão Independente: Ter observadores eleitorais independentes, tanto nacionais quanto internacionais, para monitorar o processo eleitoral e garantir que ele siga os padrões democráticos.
A monitorização dos processos eleitorais por parte dos outros países ajuda a garantir a integridade dos processo eleitorais. Ainda assim, a monitorização de alguns países é ajustada de acordo com os seus interesses económicos, veja-se o “ámen” dado pelos EUA aos resultados das últimas eleições em Angola, os quais foram fortemente contestados pela oposição e as mudanças que de seguida ocorreram nos parceiros comerciais em áreas chave da economia angolana.
- Sistemas de Votação Seguros: É necessário implementar sistemas de votação que sejam resilientes a tentativas de fraude, incluindo o uso de tecnologia confiável para voto eletrónico ou mecanismos para garantir a segurança das urnas físicas.
Hoje em dia já existe voto electrónico em vários países. O primeiro país a adoptar este método de forma sistemática e universal foi a Estónia em 2005.
As principais premissas do voto eletrónico incluem:
- Acessibilidade: Tornar o processo de votação acessível a todos os eleitores, incluindo pessoas com deficiências ou aquelas que vivem em áreas remotas, facilitando a participação no processo eleitoral.
- Segurança: Garantir que o sistema de votação seja seguro incluindo a proteção dos dados dos eleitores e dos resultados, garantindo que eles não possam ser manipulados.
- Integridade: Assegurar que cada eleitor só vota uma vez e que todos os votos são contabilizados corretamente de forma a que o resultado final seja uma representação verdadeira da vontade dos eleitores.
- Verificabilidade: Cada eleitor deve poder verificar que o sou voto foi contabilizado correctamente.
- Confidencialidade: Proteger a identidade dos eleitores, garantindo que o voto é secreto.
- Transparência: Garantir que seja possível auditar o processo eleitoral incluindo a contabilização dos votos.
- Eficiência: Oferecer uma forma mais rápida e eficiente de realizar eleições, reduzindo o tempo necessário para a contagem de votos e a divulgação dos resultados.
Estas premissas são essenciais para que o voto eletrónico seja confiável.
Como se pode constatar existe um longo caminho a percorrer para podermos debelar a fraude eleitoral. Note-se a forte correlação (positiva ou negativa) entre os resultados do Índice de Democracia, o índice de Desenvolvimento Humano ou o índice de Corrupção. O mundo é muito desigual e as desigualdades geram mais desigualdades.
Significa isto que devamos estar descrentes num futuro melhor? Não. Cabe-nos a nós procurar ajudar o mais possível, seja pelo exemplo, lutando contra a corrupção e fraude dentro de casa e demonstrando que a democracia plena é o método mais justo de governação existente entre os modelos conhecidos, seja pela promoção da globalização de ideias e acesso a informação livre. A informação acabará por chegar aos lugares mais recônditos, e quem lá está acabará por ser o motor da mudança no seu país.