Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Tendo em conta dados recentes, que analiso neste artigo, a economia portuguesa está numa trajetória de abrandamento que poderá vir a comprometer as projeções de crescimento económico revistas pelo Ministro das Finanças em julho (2% em 2024 e acima de 2% em 2025), o que aconselha cautela acrescida na elaboração do orçamento de Estado de 2005 (OE 25) e nas negociações prévias com a oposição.

Os dados a que me refiro dizem respeito ao indicador mensal de clima económico do INE, que se manteve positivo, mas recuou pelo segundo mês consecutivo em julho – e de forma mais marcada, atingindo um mínimo de oito meses –, o que reforça a tendência descendente desde o início do ano. Esta evolução sinaliza um abrandamento da atividade económica à entrada do segundo semestre, tendo em conta que o indicador de clima está calibrado para acompanhar a evolução homóloga trimestral do PIB em volume, a medida mais usada para avaliar o andamento da atividade económica.

A estimativa preliminar (ainda sujeita a revisão) do INE referente ao PIB no segundo trimestre revelou que o crescimento homólogo em volume igualou o valor de 1,5% do trimestre anterior, bastante abaixo do que se vinha a observar (2,1%, 1,9%, 2,6% e 2,5% nos trimestres precedentes até ao início de 2022, já passado o efeito de base de retoma face à queda de atividade devido à pandemia).

Ora isso significa que precisamos de taxas de crescimento homólogo de 2,5%, em média, nos dois últimos trimestres do ano para alcançarmos a meta de crescimento económico de 2% do governo e o mês de julho foi de desaceleração acrescida, conforme sinalizado pelo indicador de clima, e não de uma dinâmica mais elevada da atividade, como seria preciso.

Atentemos agora às componentes indicador de clima, que reflete os indicadores de confiança setoriais dos Inquéritos Qualitativos de Conjuntura do INE. Em julho, o recuo do indicador de clima ficou associado à descida no indicador de confiança da construção e obras públicas e, em menor medida, no da indústria – em ambos os casos numa inversão marcada face à tendência recente –, que contrariaram a melhoria da confiança nos serviços e no comércio. A redução da confiança na construção e obras públicas é preocupante, pois é preciso que a execução do PRR acelere, enquanto a menor confiança na indústria decorre sobretudo da retração da carteira de encomendas, tanto a doméstica como a de origem externa.

O único sinal positivo nos indicadores de conjuntura do INE foi uma nova subida da confiança dos consumidores, para um máximo de mais de dois anos e meio, mas que não se tem refletido numa melhoria global do indicador de clima, que está construído do lado da oferta, como referido.

A não ser que a confiança dos consumidores leve, de repente, a um acréscimo homólogo significativo do consumo (a componente de despesa com maior peso no PIB, acima de 60% em termos nominais) de agosto a dezembro, o que parece pouco provável, até atendendo à enorme incerteza internacional (eleições nos EUA e conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, ambos com risco de escalada), não parece possível a economia crescer 2% no conjunto deste ano, podendo ainda penalizar as perspetivas para 2025.

Ora tal aconselha prudência, desde logo, nas negociações do OE 25, pois a sua eventual não aprovação levará, muito provavelmente (pois ninguém quer novas eleições), a uma governação em duodécimos, que penalizaria a execução do PRR e o crescimento económico, até pelo sinal negativo para os investidores.

Nessas negociações, que se deverão iniciar com o PS, o maior partido da oposição, reitero algumas recomendações que já exprimi a respeito das duas medidas que serão decisivas para um desejável acordo.

Considero como boas soluções intermédias promotoras de um entendimento a retoma do corte gradual da taxa de IRC acordado em 2014 entre PSD/CDS e PS (até 17%) – eventualmente conjugada com um entendimento para a eliminação de benefícios fiscais injustificados, incluindo nas empresas –, bem como uma formulação alternativa de IRS ‘novo talento’ (mais ou menos jovem), uma dedução à coleta durante um número de anos significativo, mas limitado, após a obtenção de novas qualificações superiores (com percentagens de dedução crescentes com o grau obtido), uma medida mais focada, efetiva e justa para a retenção e atração de talento, sem limites de idade e com menos custos, até porque substituiria, além da atual proposta de IRS Jovem, a do IFICI + (Incentivo fiscal à investigação científica e inovação alargado).

Se essas medidas forem consensualizadas e tiverem continuidade, poderão ser fatores importantes para a retenção e atração de investimento e beneficiar a economia já em 2025, como tenho vindo a defender.

Outra área importante em que seria crucial haver um entendimento do governo AD com o PS é a reforma do Estado, pelo menos quanto a objetivos mínimos a prazo – como um rácio de entradas por cada saída de funcionários inferior a 1 e a queda do rácio de despesa corrente primária no PIB –, visando a sustentabilidade da despesa pública, pois só assim a redução da carga fiscal poderá ser duradoura.

Relembro que o governo já acordou aumentos salariais com vários grupos profissionais – manifestamente necessários, após se terem atingido situações limite – que são despesa permanente, tornando ainda mais urgente uma ampla reforma do Estado, pois até agora só houve dois tímidos passos no âmbito do PRR.

Isto porque, em paralelo, o governo está a negociar com a Comissão Europeia o plano de ajustamento orçamental de médio prazo, bem como o plano de investimento e reformas, que também é decisivo para a sustentabilidade orçamental porque deve promover a elevação do potencial de crescimento económico.

Se o governo alcançar entendimentos importantes com o PS como os referidos – pelo menos nas medidas de IRC e IRC, para uma eventual viabilização do OE –, tal facilitará muito as negociações com a Comissão e será crucial para o reforço do crescimento económico, tanto em 2025 como nos anos seguintes, assim a envolvente externa o permita (ou quando o permitir), pois teremos uma economia mais competitiva.

Tivemos já uma forte correção dos mercados bolsistas face a receios de uma recessão nos EUA – e acusações de que a Reserva Federal se atrasou no corte das taxas de juro diretoras –, após uma subida inesperada da taxa de desemprego norte-americana, mas que se encontra ainda a um nível baixo, pelo que são precisos mais dados para confirmar o estado da economia norte-americana. De qualquer modo, a economia global não parece estar em boa forma tendo em conta que temos uma crise no Médio Oriente e os preços do petróleo têm vindo a recuar, o que até aqui tinha sido associado ao menor dinamismo da China, mas poderá também refletir uma deterioração mais marcada da economia norte-americana.

Por outro lado, um ressurgimento dos preços do petróleo – provável em caso de uma escalada da guerra no Médio Oriente – seria muito complicado, pois empolaria novamente a inflação e condicionaria muito a desejada redução das taxas de juro diretoras da Fed e do BCE para estimular as respetivas economias. Temos ainda a incerteza das eleições norte-americanas e da guerra na Ucrânia a toldar o horizonte da envolvente externa da economia europeia e, inerentemente, da economia portuguesa.

Estes riscos externos aconselham toda a prudência e responsabilidade por parte de governo e oposição nas negociações e busca de consensos para viabilização do OE 25, o que será determinante para a sua elaboração e aceitação pela Comissão Europeia, bem como para o futuro de Portugal.