José António Moreira, Expresso online

Associada à emigração dos jovens há uma causa principal, que é a insuficiente oferta de emprego qualificado por parte das organizações. Era por esse lado que uma política governamental com os objetivos subjacentes ao “IRS jovem” deveria atuar

1.

A minha vizinha J. emigrou para o Reino Unido há cerca de 10 anos. Tinha terminado a licenciatura em enfermagem e a escapatória ao desemprego foi a emigração. Decisão congénere foi (e continua a ser) adotada por muitos outros jovens. Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros, no seu “Relatório da Emigração 2022”, nesse ano cerca de 30 mil cidadãos com idades entre os 15 e os 39 anos de idade emigraram. Trata-se de um fluxo de saídas que se repete anualmente e se agrava em tempos de conjuntura económica adversa.

2.

O Governo pretende contrariar esta emigração, propondo-se adotar medida de cariz fiscal ao nível da tributação dos rendimentos dos cidadãos até aos 35 anos de idade – o denominado “IRS jovem”. A discussão pública da mesma tem adotado perspetivas diversas, que vão da sua eventual inconstitucionalidade até à respetiva irracionalidade temporal, por cessar os seus efeitos, abruptamente, quando um jovem celebrar o 36º aniversário. A opinião geral é de que a medida não faz sentido face ao objetivo prosseguido.

3.

Olhe-se a mesma por uma perspetiva económica. No caso da J., se na altura em que emigrou a taxa de IRS fosse de 0%, teria ela optado por ficar no país? Não! Qual a valia de uma reduzida taxa de imposto se não houver organizações (públicas ou privadas) a oferecer emprego? Zero! Mesmo que nula, a taxa de imposto não constitui qualquer incentivo para quem procura emprego e não o encontra.

4.

Porém, a principal limitação da medida é outra e advém do facto de esta ter sido pensada sob o (irrealista) pressuposto económico de que, para a generalidade das qualificações profissionais, a procura de emprego pelos jovens gerará um aumento correspondente da oferta do mesmo por parte das organizações. É um contrassenso. Se essa relação ocorresse, não existiria elevado desemprego no escalão etário em causa, que em 2023 atingia cerca de 50 mil jovens com idade inferior a 34 anos à procura de emprego há mais de um ano (fonte: Pordata). Por conseguinte, admitindo, por absurdo, que os milhares de jovens que anualmente emigram se deixavam convencer pela redução do IRS e não partiam, o mercado de trabalho ficaria ainda mais pressionado pelo lado da procura e, consequentemente, para o volume da oferta de emprego existente, a tendência seria para a redução dos salários que seriam oferecidos. Mais, um aumento (futuro) da oferta de emprego pelas organizações, para esse nível de salários mais baixo, não seria algo que à partida se pudesse dar como adquirido.

5.

Admita-se, agora, que o “IRS jovem” é implementado e o fluxo emigratório continua, inalterado. Para os jovens que permaneceram no país e possuíam um emprego – que não é o grupo que a referida medida prioritariamente pretende atingir –, a redução da tributação poderia funcionar como um prémio (bem chorudo para os jovens com elevado rendimento, onde sobressaem parte dos desportistas profissionais). Porém, para aqueles que estivessem desempregados, ou os que acabassem de chegar ao mercado de trabalho, o prémio poderia não existir ou, no melhor cenário, ser pouco significativo. Salvo em organizações com tabelas salariais muito rígidas – como é o caso do Estado –, a negociação do salário à entrada tende a tomar em consideração, mesmo que implicitamente, a remuneração líquida subjacente. Neste contexto, a menor tributação do rendimento dos jovens tenderia a favorecer a contração do salário bruto oferecido pelas organizações, que sairiam beneficiadas a expensas do Estado e em detrimento dos jovens trabalhadores. Redução salarial indesejada, face ao objetivo de aumento dos salários prosseguido pelos últimos governos.

6.

Associada à emigração dos jovens há uma causa principal, que é a insuficiente oferta de emprego qualificado por parte das organizações. Era por esse lado que uma política governamental com os objetivos subjacentes ao “IRS jovem” deveria atuar. Ao fazê-lo pelo lado da procura, como a referida medida de política se propõe atuar, não irá resolver o problema e pode ser fonte de injustiça relativa entre os jovens que ficaram por terras lusas.

7.

É preciso ajudar os jovens?! Ajude-se! Mas sem criar mais uma ilusão, que será o resultado de ocorrência mais provável quando se procura tratar um problema complexo (a emigração jovem qualificada) com uma solução simples (atirar-lhe muito dinheiro para cima).