António João Maia, Expresso online
Apesar da amplitude meritória das medidas agora apresentadas, importa reconhecer a ausência de áreas igualmente importantes neste âmbito
O Governo apresentou no início deste mês a Agenda Anticorrupção, no âmbito da qual se propõe trabalhar (com a oposição, com as instituições, sobretudo da área da justiça, e com a sociedade civil) um conjunto de 32 medidas, que, por sua vez, assentam em 4 grandes pilares – Prevenção, Punição, Celeridade Processual e Proteção do Setor Público.
Trata-se sem dúvida de uma agenda ambiciosa, com uma abrangência relativamente alargada, que compreende medidas como:
- A promoção da transparência nos processos de lobbying, uma área relativamente à qual Portugal tem sido recorrentemente objeto de recomendações de organismos internacionais, como a OCDE, o GRECO ou a União Europeia, no sentido de desenvolver medidas de regulamentação, incluindo de prevenção de conflitos de interesses e de dinâmicas de cartelização;
- O funcionamento mais transparente do Portal BASE, incluindo na publicitação de informação clara e de acesso público livre sobre a contratação pública realizada, e os correspondentes valores financeiros e intervenientes envolvidos, incluindo a publicação de “listas negras” de fornecedores ao Estado;
- O reforço da meritocracia e transparência nos procedimentos de seleção dos dirigentes de topo dos organismos públicos, e;
- A aposta na educação e formação dos mais jovens relativamente às questões da cidadania e da integridade.
Todavia e apesar da amplitude meritória das medidas agora apresentadas, importa reconhecer a ausência de áreas igualmente importantes neste âmbito, como sejam por exemplo:
- O incremento da transparência nos processos de financiamento e funcionamento interno dos partidos políticos, incluindo através da extensão das medidas do Regime Geral de Prevenção da Corrupção, tendo em consideração que a sua existência tem finalidades associadas à gestão do Estado e das suas estruturas, ou seja, apresenta uma relação muito estreita com o interesse público, com o superior interesse dos cidadãos;
- A melhoria dos processos de comunicação entre as instâncias judiciais que operam os processos criminais relativos a esta tipologia de crimes de má gestão pública (as Polícias, o Ministério Público, os Juízes e os Tribunais) e a comunicação social, de modo a reduzir os ruidosos e frequentes problemas de violação do segredo de justiça, e das inerentes e arrastadas condenações irrecorríveis que se vão sucedendo na “fogueira mediática” da praça pública. Cremos que neste âmbito urge a criação de gabinetes de comunicação, com técnicos especializados em comunicação social, que formalizem, sob a forma de comunicados oficiais, com conteúdos claros e com respeito pelos direitos legítimos dos envolvidos em cada processo criminal, sobre os factos apurados em cada fase processual, de modo a reduzir o espaço para a especulação mediática e as situações de fuga de informação e violação do segredo de justiça;
- A impossibilidade de reassumir o exercício de funções de natureza pública (política ou administrativa) após o cumprimento de pena aplicada pelos tribunais pela prática de crimes desta natureza, no pressuposto da existência de sinais objetivos (a prática criminal comprovada pelo tribunal e a correspondente pena aplicada) de incompetência quanto ao perfil de integridade para o exercício de funções desta natureza.
Mas regressemos ao quadro das medidas agora apresentadas e em fase de concretização, para nos determos particularmente na 32ª, que propõe trabalhar uma componente muito relevante, que é a do reforço da intransigência da sociedade civil face à ausência de integridade na gestão das organizações, nomeadamente das que têm uma natureza pública, e a todas as formas de corrupção que lhe estão associadas.
De acordo com a agenda agora apresentada, a referida medida pretende “apostar na educação como forma de prevenção da corrupção e da criação de uma cultura de integridade, nos vários ciclos do ensino básico e no ensino secundário, reforçando conteúdos curriculares sobre ética, literacia financeira, para além da divulgação de informação pública sobre o fenómeno da corrupção e sobre a atividade de prevenção e combate à sua prática, com vista ao desenvolvimento na sociedade do sentido crítico e da intervenção de escrutínio”.
É inequívoco que os processos educativos e formativos são fundamentais para a formação dos cidadãos e da cidadania. Eles permitem a interiorização de conceitos e princípios éticos e a aquisição de competências comportamentais coerentes com esses princípios e valores éticos. Por isso, como é proposto, trabalhar estes conteúdos de forma adequada em cada nível e ciclo de ensino, do básico ao secundário, é reconhecidamente uma componente de grande importância. Neste particular, importa destacar, como uma experiência muito positiva, os Projetos Educativos que durante os diversos anos da sua existência foram dinamizados pelo Conselho de Prevenção da Corrupção.
Mas será igualmente importante – e a medida agora proposta não o refere – a inclusão de conteúdos formativos sobre ética, integridade e deontologia ao nível do ensino superior.
As universidades especializam os futuros profissionais para todas as áreas do saber, do conhecimento e das competências técnicas – Médicos, Economistas, Advogados, Cientistas, Sociólogos, Professores, Gestores, Artistas, Engenheiros, Arquitetos, Veterinários, e todas as profissões que possamos imaginar – e quase nenhuma inclui os temas da ética, da integridade e da deontologia profissional nos currículos, pelo menos a nível da licenciatura. Nem, ao menos, um workshop no último ano dos seus cursos, para propiciar aos alunos a possibilidade de debaterem e refletirem sobre estas questões associadas à componente profissional que se preparam para abraçar e com as quais por certo se irão cruzar. O trabalho da academia sobre estes conteúdos é potencialmente muito relevante e útil e por isso deverão existir medidas que o estimulem.
O conjunto de medidas agora apresentado pelo Governo encontra-se, até meados de agosto, disponível para consulta pública através da plataforma ConsultaLEX, no âmbito do qual qualquer cidadão é convidado a dar o seu contributo para a sua concretização.
O Observatório de Economia e Gestão de Fraude, pela sua natureza e interesse de cidadania dos seus membros, como sucede neste breve contributo, não deixará de participar ativa e interessadamente no aprofundamento e concretização das medidas agora sobre a mesa, bem como de outras que venham a apresentar-se no futuro, na certeza de que esta é uma área da ação das políticas públicas que a todos interessa e que está na base do sucesso de todas as outras