Ricardo Alexandre Cardoso Rodrigues, OBEGEF
Pelos “Dantas” das “artes” mundanas? Pelo atroz manancial de desatinos e desditas de agenda? Pelas “resoluções” sumárias, à guisa de giros e êxtases mediáticos? Pelos campos de ressonância seguros de suas sentenças? Pelos desconcertos e desafinações institucionais? Pela devolução aos fiéis das suas artes? Pelos marcadores simbólicos das manifestações plurais, permanentes, estruturais e (in)visíveis de violência? Pelas (incontornáveis) dinâmicas da linguagem? Pelas (incontestáveis) ortografias e etiquetas? Pelas fiéis “ruchot” das máximas sympatheia, empatheia e compassio? Pela humanitude? Pelas liberdades comprometidas? Pelas potências e propósitos das dinâmicas de inclusão? Pelo direito plural à felicidade (-mutluluk)?
PONTO DE PARTIDA
Os desafios da vida em sociedade corroboram pactos, acordos, convenções de diversas ordens, apresentando, pois, como substrato comum, a comunicação, em concreto, os códigos da linguagem, pacificadores de intenções, apesar dos incontornáveis diferenciais de desempenho, apreensão e compreensão, entre universos múltiplos.
Os espaços, físicos, intangíveis e temporais, são templos, são oportunidades, são momentos, que decidimos, convencionamos, ocupar com silêncios, palavras, ações, omissões, etc., forjados que são pelas/nas boas egrégoras das liberdades.
De um modo geral, as liberdades são poderes, faculdades, potências, ético-juridicamente considerados, expansíveis, atribuídos aos indivíduos, e que se realizam até, em paralelo, concorrencialmente, e através das liberdades dos demais, em espaços plenos de possibilidades. Posições jurídicas, reforçadas pelas expressões de créditos sociais, em particular, de índole garantística e responsabilizante.
DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO
O art.º 37.º da Lei Fundamental (v. art. 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; art. 19.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; art. 19.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos “Humanos”) consagra a liberdade de expressão, a par do direito à informação, e com a seguinte fórmula: “[t]odos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.” (n.º 1) Em articulação, o n.º 2 do referido artigo, com referência aos obstáculos ou limitações de qualquer tipo ou forma que configurando censura, no quadro das garantias constitucionais, figuram proibidos.
A liberdade de expressão (v. doutrina, em particular, J. J. G. Canotilho e Vital Moreira; e jurisprudência, em especial, do STJ, do TC e do TEDH) - fundada, forjada e, igualmente, limitada pelo valor-princípio da dignidade (da pessoa) humana - caractere – pilar de sociedades ditas democráticas e pluralistas, configura-se como posição jurídica ativa biunívoca integrada: um direito «real/ efetivo» de natureza defensiva, ora, elemento identitário da liberdade de pensamento - v. planos, dimensões, expressões e particularidades das liberdades de criação cultural, de consciência, de religião e de culto, bem como, de aprender e ensinar; também, de reunião e manifestação (arts. 42.º, 41.º, 43.º e 45.º da Lei Fundamental) - e um direito «real/ efetivo» de natureza positiva, de expressão e divulgação livres do pensamento (dentro dos limites do direito) e de acesso/disponibilidade aos/dos meios de expressão-revelação (lato sensu) (v. n.º 4.º do art. 37, art. 40.º, n.º 5 do art. 41, art. 26.º e art. 16.º da Lei Fundamental) (v. entre outros, o diploma concretizador (em especial, no quadro das atribuições) - Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital (Lei n.º 27/2021)).
Poderá assumir uma dimensão negativa, ora, a não expressão, o não acolhimento de ideias / opiniões, ou uma dimensão positiva, incluindo, entre outras manifestações/ possibilidades, informações, ideias, opiniões, pensamentos, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor, etc., (v. sejam inofensivos, disruptivos, inquietantes, etc.), de qualquer tema ou assunto, por qualquer meio/ forma / estilo / perfil de manifestação (lato sensu), independentemente dos critérios, das finalidades e da real/natural veracidade.
O direito em exercício poderá, resultado da exposição / afetação de valores, bens jurídicos, direitos subjetivos e interesses legítimos, configurar um ilícito/ um delito, sendo, pois, objeto de boa submissão aos princípios gerais do direito criminal, contraordenacional (v. n.º 3 do art.º 37.º da Lei Fundamental), entre outras respostas ético-jurídicas (v. limites imanentes da liberdade de expressão).
Finalmente, e à luz do disposto no n.º 2 do art.º 18.º da Lei Fundamental, a admissibilidade de restrições à liberdade de expressão, no caso de “colisão” com direitos fundamentais “ou interesses constitucionalmente protegidos”.
DAS IMUNIDADES PARLAMENTARES
A liberdade de expressão, no âmbito da “liberdade de opinião”, dos “privilégios da palavra”, que patenteia uma relação de cobertura biunívoca, apresenta-se simbioticamente vinculada às “convenções”, ainda que desvinculada (pelas prerrogativas institucionais, excecionando, com dignidade constitucional, p. ex., a aplicação geral do direito criminal), por indemnidade ou incolumidade (v. art. 157.º, n.º 1 da Lei Fundamental – atualística e contextualmente aplicado), de uma “dita” responsabilidade, diga-se atrelada, a um princípio de funcionalidade orgânica (“e de blindagem pessoal (note-se na estrita esfera institucional (“jurisdicional”), extensível a entes conexos, esgotando-se além das esferas, esvaindo-se entre esferas), cobrindo “votos e opiniões” emitidos “no exercício de funções e por causa delas” (excecionando, situações de abuso, e, evidentemente, casos de violência, ameaça, lesão, etc., bem como, ilícitos-delitos ligados a votos ou opiniões, em clara violação, entre outros, do princípio da prossecução do interesse público, da transparência, etc.), encontra, pois, nas éticas e estéticas fundamento e fulgor dignitários, plenos de significados, permitindo configurar centros comunicacionais de compatibilização prática de direitos fundamentais e direitos de personalidade, prevenindo, inclusivamente, eventuais reparações.
DAS TRAJETÓRIAS
Segundo a Lei Fundamental, “[a] República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático”, fundado na dignidade humana, “na vontade popular”, empenhado “na construção de uma sociedade livre, justa e solidária” (arts. 1.º e 2.º da Lei Fundamental).
O segundo órgão de soberania, a Assembleia da República, ou Parlamento, ou Câmara, ou “Casa da Democracia” (n.º 1 do art. 110.º da Lei fundamental), espaço «real-ideal», com uma carga e simbolismo “tão próprios” (expressão simbólica-icónica), fundação representativa de todos os cidadãos portugueses (art. 147.º da Lei fundamental). Constituída pelos Deputados – “os «fiéis» depositários” – representantes de todo país (n.º 2 do art. 152.º da Lei Fundamental), que corporizam centros reais de imputação de poderes - deveres (poderes-funcionais), em conformidade com os arts. 153.º a 156.º, 159.º, 160.º, todos da Lei Fundamental, em conjugação com o Estatuto dos Deputados (v. Lei n.º 7/93, de 1 de março), a conformação regimental (v. Regimento da Assembleia da República n.º 1/2007, de 20 de agosto – mais adiante, Regimento) (v. alíneas b) e g) do art. 156.º da Lei Fundamental), e o Código de Conduta dos Deputados à Assembleia da República (Resolução da Assembleia da República n.º 210/2019 – mais adiante, Código de Conduta).
Com destaque, os pilares principiológicos de conduta, vertidos direta e por remissão, respetivamente, nas alíneas e) e f) do n.º 1 e no n.º 2, todos do art. 14.º do Estatuto dos Deputados, ora, o interesse público, a independência, a urbanidade e lealdade institucional, a diligência, a responsabilidade política, a transparência e, por fim, a dignidade do Parlamento e dos Deputados.
No que concerne à trilogia principiológica, urbanidade, lealdade institucional e dignidade, firmar que os Deputados, vinculados que estão a compromissos de otimização e dignificação institucionais (art. 6.º e al. f) do art. 9.º do Código de Conduta), devem, de modo efetivo, assegurar um desempenho funcional em cumprimento dos deveres de respeito, ora, “pelos demais Deputados e pelos titulares dos demais órgãos de soberania, pelos cidadãos que representam e pelas demais entidades públicas e privadas com as quais se relacionem no exercício do seu mandato” (art. 5.º e al. f) do art. 9.º do Código de Conduta).
Em verdade, a vivacidade das dinâmicas parlamentares e a liberdade no uso da palavra, não se veem, de modo algum, reduzidas/ limitadas com o compromisso ético no discurso. Aliás, entre outras simbioses, como a forma e as cadências, comprometidas com uma determinada linguística comum, que se determinam, sem grande esforço, e apesar das inevitáveis diversidades; como os espaços, os papéis e os desempenhos esperados, se evidenciam nortes efetivos (enformadores e informadores); o pacto com o(s) “eu(s)” do(s) “outro(s)”, muito além dos apelos dignitários (fonte – inspiração), deve, de facto, compor, de modo efetivo, os limites no/do/de exercício.
Encontramos um fiel alinhamento, no artigo 10.º do Regimento do Parlamento Europeu, que estabelece, ressalvada que seja a “vivacidade dos debates parlamentares” e a liberdade que assiste aos deputados no uso da palavra” (n.º 8.º): “[a] conduta dos deputados pauta-se pelo respeito mútuo e radica nos valores e nos princípios estabelecidos nos tratados, em particular, na carta dos direitos fundamentais. Os deputados preservam a dignidade do parlamento e não lesam a sua reputação.” (n.º 1) “[o]s deputados não comprometem o bom andamento dos trabalhos parlamentares, nem a segurança e a ordem ou o bom funcionamento dos equipamentos nas instalações do parlamento.” (n.º 2); “[o]s deputados não perturbam o bom funcionamento da assembleia e abstêm-se de comportamentos inadequados. Os deputados não exibem bandeiras, nem faixas.” (n.º 3); “[o]s deputados abstêm-se de qualquer tipo de assédio moral ou sexual e respeitam o código do comportamento apropriado dos deputados ao parlamento europeu no exercício das suas funções (…).” (n.º 6); [n]os debates parlamentares em plenário, os deputados abstêm-se de usar linguagem ofensiva. (…)” (n.º 4).
A avaliação da ofensividade / não ofensividade da linguagem utilizada pelo deputado, de que resultará a inadmissibilidade/ admissibilidade, deverá ter em linha de conta, “entre outros aspetos, as intenções identificáveis do orador, a perceção da mensagem pelo público, a medida em que possa lesar a dignidade e a reputação do Parlamento, bem como a liberdade de expressão do deputado em causa.” A título ilustrativo, o legislador indica que: “(…) a linguagem difamatória, o "discurso de ódio" e o incitamento à discriminação, designadamente em razão de qualquer um dos fundamentos a que se refere o artigo 21.º da Carta dos Direitos Fundamentais, constituem, em circunstâncias normais, casos de "linguagem ofensiva" na aceção do presente artigo.” Ora, nos termos do artigo 21.º da referida Carta, “(…) “ [é] proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.” (n.º 1); “[n]o âmbito de aplicação dos Tratados e sem prejuízo das suas disposições específicas, é proibida toda a discriminação em razão da nacionalidade.” (n.º 2). O regime sancionatório encontra sede nos arts. 175 e ss. do respetivo Regime.
Ao Presidente da Assembleia da República, cujas competências são atribuídas pela Constituição, pela Lei e pelo Regimento, incumbe dirigir, coordenar os trabalhos e superintender na sua administração, exercendo autoridade sobre todos os funcionários e agentes e sobre as forças de segurança postas ao serviço da Assembleia (art. 12.º do Regimento; art. 6.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República (LOFAR) - Lei n.º 77/88, de 01 de julho). Nos termos do disposto nas als. q) e u) do art. 16 do Regimento, compete ao Presidente da Assembleia da República “[m]anter a ordem e a disciplina, bem como a segurança da Assembleia, podendo para isso requisitar e usar os meios necessários e tomar as medidas que entender convenientes”. De um modo geral, competirá ao Presidente da Assembleia da República “(…) assegurar o” bom e fiel “cumprimento do Regimento e das deliberações da Assembleia.”
Decorre claramente do Regimento, no que tange ao uso da palavra, que, “(…) os oradores dirigem-se ao Presidente e à Assembleia e devem manter-se de pé (…)” (n.º 1); “[o] orador não pode ser interrompido sem o seu consentimento, não sendo, porém, consideradas interrupções as vozes de concordância, discordância ou análogas (…)” (n.º 2); “[o] orador pode ser avisado pelo Presidente da Assembleia para resumir as suas considerações quando se aproxime o termo do tempo regimental (…)”; [o] orador é advertido pelo Presidente da Assembleia quando “se afaste da finalidade para que foi concedida a palavra” (n.º 2, do art. 79.º) ou “se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo” (poder-funcional) “retirar-lhe a palavra. (art. 89.º). Nesta senda, podemos identificar os seguintes tipos de ilícito-delito: crimes contra a honra (v. arts. 180.º e ss. do Código Penal); crimes contra a honra agravados (v. art. 184.º do Código Penal); com especial interesse, um delito especialíssimo, o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, plasmado no art. 240.º do Código Penal.
Dar conta do potencial de constrição - robustecendo, no jogo democrático, a desigualdade de armas (não obstante, a existência de fórmulas – instrumentos de aclaração, reação e protesto (v. arts. 83.º e ss. do Regimento) - e nocividade associados, quando a prática, suportada por fenómenos de normalização, se institucionaliza “uso”.
PONTO DE CHEGADA: olhar para dentro
Resulta do legislado, conforme o caderno de encargos em todas as respetivas latitudes, claramente alinhado a propostas ético-estéticas, um compromisso sério e virtuoso de todos os atores e agentes institucionais no sentido de bem assegurar que os espaços físicos, intangíveis e temporais, mais concretamente, os espaços de poder, especialmente, a “Casa da Democracia”, o espaço real e simbólico, sejam, em abono do enobrecimento institucional, preenchidos com “efetivos exercícios de poder soberano”.
A pessoalização do discurso, as manifestações de ódio e de violência, as generalizações, preconceitos e falsidades, entre outros fenómenos, nomeadamente, de viés manipulativo, reveladores de um acentuado deficit democrático, são responsáveis por “homicídios” identitários, pela segregação e exclusão sociais, empobrecem, de modo severo, qualquer interação, em qualquer contexto, não contribuindo, de todo em todo, para qualquer sentido de progresso.
Os discursos e condutas normalizadoras de condutas nocivas, com especial destaque, quando promovidos por altas figuras institucionais, além de constituírem uma ostensiva violação das competências atribuídas, desequilibram abusivamente a relação de forças (pelo recurso assimétrico, vertical e privilegiado de instrumentos de intolerância) concorrenciais; perturbam, chegando mesmo a inibir, desempenhos; acentuam o estado de vulnerabilidade dos expostos e potencialmente expostos (com especial intensidade, aqueles não beneficiários dos “privilégios da palavra”); contribuem para a proliferação da violência e para a corrosão e descredibilização institucionais.
Não há (não pode haver), de facto, suporte, na “Casa da Democracia” à prostração do(s) eu(s) do(s) outro(s) à infâmia e indignidade!
Não há, seguramente, nobreza ou coragem no insulto gratuito!
Não haverá, com certeza, cobardia nos silêncios eticamente comprometidos!
Urge um alinhamento conjunto para a empreitada do compromisso ético no discurso!
A discussão sempre radicará nos seguinte pontos: “quem somos”; no que acreditamos?; “que sociedade queremos”? “de que instituições precisamos””; “quais os efetivos contributos dos centros reais de imputação de poderes-deveres (poderes-funcionais)”? “qual o real papel do indivíduo, do «ser político»”?
A próxima linha é tua…………………………..