Rute Serra, Expresso online

Mas afinal para que servem os códigos de conduta? Para os fazer valer, precisaremos de um déontologue, como sucede em França, para zelar pelas regras de conduta dos parlamentares, regras essas escritas pelos próprios parlamentares? Ou será preferível aplicar cortes aos salários dos deputados, como prefere fazer a Hungria? Seja qual for o caminho que se escolha, importará é que não se subestime a relevância destes instrumentos de gestão de integridade

“O Parlamento português (...) é constituído por uma câmara de Deputados que representa todos os portugueses”, lê-se no website da Assembleia da República.

Serve este introito para relembrar aos meus concidadãos que, apesar do sobredito, não alienámos a nossa responsabilidade de exigir comportamentos íntegros, respeitosos, dignos e éticos, àqueles que agem por nós mandatados.

Muito se tem discorrido por estes dias sobre o alcance e limites da liberdade de expressão, valor não absoluto constitucionalmente consagrado, nas intervenções plenárias dos parlamentares. O debate é de relevo, e os argumentos esgrimidos, por quem tem visões antagónicas sobre o assunto, colhem num diapasão amplo. Menor, porém, tem sido a atenção dada à notícia de comentários racistas, xenófobos e misóginos, por parte de alguns deputados da Nação.

Não podemos, caros concidadãos, permitir que, em nosso nome, deputados da Nação, em especial os que se assumem como cruzados do século XXI do comportamento íntegro e impoluto, os paladinos da erradicação da sociedade portuguesa, de toda e qualquer forma ou expressão de falhas éticas e morais - cometidas por nós, cidadãos deste país, individualmente ou organizados - se permitam, em total displicência, comportarem-se, em plenário ou fora dele, em erosão total ao que a nós, cidadãos, nos exigem. Falha a congruência, falha a dignidade, falha a legítima representação destes senhores, em nosso nome, num dos nossos órgãos de soberania. Falha o discurso, falha a bandeira elegida, falha tudo. E em nosso nome.

Lê-se no artigo 5.º do Código de Conduta dos Deputados à Assembleia da República, sob a epígrafe “Urbanidade e lealdade institucional”: “Os Deputados à Assembleia da República devem desempenhar as suas funções com respeito pelos demais Deputados e pelos titulares dos demais órgãos de soberania, pelos cidadãos que representam e pelas demais entidades públicas e privadas com as quais se relacionem no exercício do seu mandato.” Mas afinal para que servem os códigos de conduta? Para os fazer valer, precisaremos de um déontologue, como sucede em França, para zelar pelas regras de conduta dos parlamentares, regras essas escritas pelos próprios parlamentares? Ou será preferível aplicar cortes aos salários dos deputados, como prefere fazer a Hungria? Seja qual for o caminho que se escolha, importará é que não se subestime a relevância destes instrumentos de gestão de integridade.

Como bem afirmou o Presidente da Assembleia da República, somos nós, portugueses, que devemos fazer o julgamento. Aceitando antecipadamente o repto, parto já para as alegações finais: em nome de um Parlamento livre de desordem e conflito, que proteja a legitimidade do processo legislativo e evite a erosão da nossa confiança nas instituições democráticas; em nome de discussões fundamentadas e racionais sobre políticas públicas, ao invés de tempo desperdiçado com ataques pessoais e disputas mesquinhas; em nome da coesão social e da construção de necessários consensos para o progresso económico e social, propiciada pelo exemplo que se exige aos parlamentares, de saberem dialogar, argumentar e defender convicções sem precisar recorrer à alarvidade, utilizando uma retórica que respeite os mais elementares princípios da dignidade humana; em nome de modelos de comportamento que ajudem os nossos jovens a não banalizar a agressividade, a injúria e a falta de respeito,

Exigimos aos deputados da Nação portuguesa, os quais agem em nosso nome, que se respeitem mutuamente, porque só assim demonstram, verdadeiramente, respeito por nós. Que disciplinem o discurso, preferindo argumentos racionais e construtivos, aos gratuitamente insultuosos. Que prefiram, a todo o tempo, agir com honestidade e integridade, descartando a manipulação e a desinformação e, por fim, que, com dignidade, coloquem os interesses da Nação e dos cidadãos acima de interesses pessoais, partidários ou politiqueiros.

Porque a continuar assim, em meu nome, não.