António André Inácio, Jornal i online
Esta superestrutura, dirigida por um total de mais de 8 mil cargos dirigentes, número que aumentou em 25% desde 2012 até à atualidade, conduz à sobreposição e à redundância com elevados custos para o país e os cidadãos
A Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro estabelece os princípios e normas a que deve obedecer a organização da administração direta do Estado. Aí se pode ler (artigo 3º, nº 1) que “A organização, a estrutura e o funcionamento da Administração Pública devem orientar-se pelos princípios da unidade e eficácia da acção da Administração Pública, da aproximação dos serviços às populações, da desburocratização, da racionalização de meios, da eficiência na afetação de recursos públicos, na melhoria quantitativa e qualitativa do serviço prestado e da garantia de participação dos cidadãos”.
Um princípio construído irrepreensivelmente da perspetiva da legistica pela sua qualidade, racionalidade, clareza e coerência. Porém, na prática (como em tantas matérias estruturantes neste país), inexequível pela própria incapacidade da Administração Central.
Conforme Marques Mendes recentemente bem salientou no seu comentário de domingo, existem em Portugal um total de 645 entidades públicas apenas ao nível da Administração Central do Estado, ora comparando com países semelhantes em termos de população, temos “só” o dobro face à Suécia e multiplicamos por 9 quanto à Bélgica – já agora países cujas máquinas administrativas funcionam bem melhor –. Concretamente, Portugal possui um total de 172 empresas públicas, 120 institutos e fundações e ainda 134 estruturas atípicas (Comissões e unidades técnicas).
Esta superestrutura, dirigida por um total de mais de 8 mil cargos dirigentes, número que aumentou em 25% desde 2012 até à atualidade, conduz à sobreposição e à redundância com elevados custos para o país e os cidadãos. Acresce que apesar da sua imensidão a máquina administrativa é disfuncional, como bem o constata o cidadão utente sempre que necessita de recorrer aos seus serviços.
Estamos perante um modelo que Joaquim Filipe Araújo (Araújo, J. F. & J. F. A. Branco (2009), “Implementing Performance-Based Management in the Traditional Bureaucracy in Portugal”, Public Administration) já enunciava em 2006 como muito próximo do neo-institucionalismo (enquanto a Europa vinha adotando o New Public Management), por força da vaga de institutos públicos, agências, entidades públicas empresariais, a que acrescem ainda as fundações, associações complementares de empresas, etc., que integram a administração indireta do Estado, e como tal fora desta análise mas contribuindo para o imenso habitat de clientelismo politico partidário, de promiscuidade e, naturalmente, de corrupção.
De facto, a teia de entidades públicas, dificulta a sua accountability e consequentemente promove todo um conjunto de más práticas, de favorecimentos, de pequenos poderes que comprometem a tão necessária transparência na relação Estado e cidadão.
Importa referir que se tem feito tentativas de melhoria no funcionamento da administração pública, tendo ocorrido avanços significativos como sejam a desmaterialização intensiva dos processos, a adoção do Sistema Integrado de Avaliação do Desempenho da AP (SIADAP) visando a gestão por objetivos ou o Programa de Reestruturação da Administração Central (PRACE) visando uma nova perspetiva de reforma estratégica e estrutural em toda a administração central. Porém, tais ferramentas implicam uma efetivação consciente por parte dos decisores, os sistemas informáticos têm de ser os adaptados às necessidades, as chefias têm de avaliar com equidade, o governo tem de reduzir o número de organismos públicos e de dirigentes reforçando ao mesmo tempo a eficiência. Se há dúvidas no que concerne à opção por certos sistemas tecnológico e à correta aplicação do SIADAP na maior parte dos organismos públicos, há certezas quanto à não efetivação do PRACE.
Impõe-se um programa de reforma do Estado coerente, exequível, que elimine a incerteza e a falta de confiança dos cidadãos, mas também que inspire confiança e capte investimento estrangeiro, para tal importa suprimir as redundâncias, apostar nas fusões, enfim racionalizar a Administração. Tal só é possível afastando o clientelismo dos lugares de gestão, dotando os decisores de capacidade de atuação, premiando a sua eficácia e responsabilizando-os pelos resultados.