Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

No primeiro trimestre, a economia portuguesa registou o ritmo de crescimento mais baixo em três anos (taxa de variação homóloga, tvh, de 1,4% do PIB, em termos reais, que compara com 2,2% no trimestre anterior), de acordo com a estimativa rápida do INE, na ótica das contas nacionais.

Trata-se, ainda assim, de um crescimento económico acima da União Europeia e da Área do Euro (tvh de 0,5% e 0,4%, respetivamente, após 0,2% e 0,1% no trimestre anterior; dados preliminares do Eurostat), penalizadas pela recessão na Alemanha (-0,2%), a maior economia europeia, cujo PIB recuou pelo terceiro trimestre seguido, a refletir o aumento dos custos da energia no seu setor industrial (na sequência da guerra na Ucrânia) e a concorrência acrescida da China no setor automóvel e nas tecnologias limpas.

Entre os treze países da UE27 com dados disponíveis, apenas a Lituânia, a Espanha e a Hungria tiveram taxas de variação real do PIB superiores à nossa (2,9%, 2,4% e 1,7%, respetivamente).

Embora ainda estejamos a crescer acima da União Europeia, tal deve-se, em boa medida, ao dinamismo ainda assinalável no turismo, ainda que em trajetória de abrandamento continuado, tendo em conta os dados disponíveis (a estimativa rápida não apresenta valores quantificados para as componentes de despesa do PIB em contabilidade nacional no trimestre, apenas uma descrição qualitativa).

O número de hóspedes aumentou 7,7% em termos homólogos no 1.º trimestre (3,9% nos residentes e 10,6% nos não residentes), um valor ainda significativo, mas que está empolado por dois fatores: o facto de 2024 ser um ano bissexto (implicando mais um dia útil em comparação com o mesmo período de 2023) e de a Páscoa ter ocorrido em março, este ano, e em abril no ano passado, tratando-se de um período de significativa animação turística. Para se ter uma noção da forte perda de dinamismo do turismo, no primeiro trimestre de 2023, a taxa de variação homóloga deste indicador foi de 40,8% (21,9% nos residentes e 60,7% nos não residentes). Comparando as taxas homólogas nos dois períodos, o abrandamento foi acentuado nos principais mercados externos, tanto europeus (com destaque para a Espanha, o Reino Unido e a Alemanha) como não europeus (com realce para EUA e Brasil).

No comércio internacional de mercadorias, a estimativa rápida do INE relativa ao 3.º trimestre aponta para uma queda homóloga nominal de 4,2% das exportações de bens, a quarta consecutiva. Considerando o detalhe disponível deste indicador, de janeiro a fevereiro, de realçar a queda homóloga de 3,5% das exportações de bens para a França, um dos nossos principais mercados.

Os dados sugerem, portanto, que o aumento das exportações de turismo estará ainda a contrariar a queda nas exportações de bens, mas tal poderá terminar em breve se a atividade turística continuar a abrandar.

O contributo das exportações líquidas (de importações) para a evolução homóloga do PIB passou de positivo a nulo no 1.º trimestre, segundo o comunicado da estimativa rápida do INE, tendo o aumento da atividade sido assim suportado pela procura interna, que também perdeu dinamismo, quer ao nível do consumo privado quer do investimento. Esta perda de dinamismo do investimento deve preocupar, pois deveria estar a acelerar – tanto na componente pública como na privada – como resultado da implementação do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), cuja janela de execução acaba em 2026.

Cabe ao novo governo recuperar o atraso no PRR, que se terá agravado com as eleições antecipadas.

A síntese de execução orçamental (ótica da contabilidade pública) relativa ao primeiro trimestre dá conta de um aumento homólogo nominal de 6,9% do investimento (após alguns ajustamentos), que se deveu “essencialmente, à evolução da execução dos investimentos no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência”. Trata-se de uma evolução modesta, tendo em conta o atraso de execução que já se verificava.

A síntese da DGO mostra ainda o regresso de um défice orçamental no primeiro trimestre do ano, ainda sob responsabilidade do anterior Ministro das Finanças, Fernando Medina (saldo negativo de 259 milhões de euros, M€, que compara com 2040 M€ no período homólogo já expurgando o efeito de empolamento da receita de capital em 2023 devido à passagem do fundo de pensões da CGD para a CGA), a refletir um crescimento nominal da despesa (15,1%) muito acima do da receita (4,2% após o ajustamento referido).

O aumento expressivo da despesa traduz, para além do aumento nominal de 23% das transferências, devido ao acréscimo significativo de responsabilidade do Estado com pensões (dado que a CGA passou a pagar também aos reformados da CGD), as subidas de 7,8% das despesas com pessoal (fruto de medidas de atualização remuneratória e aceleração de carreiras na Administração Pública), de 7,2% nas aquisições de bens e serviços e de 5,9% nos juros. Estas são as tremendas pressões de despesa que já se verificavam antes do novo governo entrar em funções e que se irão agravar com as atualizações remuneratórias de vários grupos de funcionários públicos (como policias e médicos) prometidas em campanha eleitoral.

Do lado da receita das administrações públicas, a subida nominal de 4,2% traduz o crescimento expressivo da receita não fiscal e não contributiva (10,2%), que contrariou a quebra da receita fiscal (-0,3%), a principal componente, a refletir o recuo ligeiro no subsetor Estado (-0,2%), mas que está influenciado por fatores temporários. Excluindo esses fatores, a receita fiscal do Estado cresceu 2,9% em termos nominais, com origem no IRC (43,7%), no IRS (3,1%) e no ISP (13,2%), sobretudo, mais do que compensando a queda ligeira de 0,2% no IVA (ajustado).

De assinalar que a receita de IRS está a subir, apesar do desagravamento fiscal introduzido pelo anterior governo – mas pressionado, em grande medida, por motivos eleitorais, pela proposta de desagravamento apresentada pelo PSD em 2023, pois a redução prevista no Programa de Estabilidade apresentado em abril de 2023 era muito menor, como já expliquei noutros espaços de opinião –, afastando receios quanto ao impacto negativo nesta receita da baixa das taxas de imposto, refletida nas taxas de retenção na fonte, que deverão ter uma nova baixa proximamente, embora muito mais ligeira, decidida pelo novo governo.

De notar ainda que o forte crescimento da receita de IRC se reporta aos lucros registados em 2023, num contexto de crescimento económico e inflação ainda bastante significativos, o que não se deverá repetir em 2024, penalizando a evolução prevista da cobrança desse imposto em 2025. Mais preocupante é a queda do IVA, o imposto que mais pesa na receita fiscal, pois é demonstrativa do enfraquecimento da atividade económica neste ano – induzida, em boa medida, pelo exterior – e contribuiu para o défice orçamental. Vejamos se o impacto do desagravamento do IRS, potencialmente benéfico para o consumo privado, é suficiente para contrariar a trajetória de abrandamento económico e a queda do IVA.

Se a economia abrandar mais do que o esperado – a projeção do novo governo para o conjunto do ano é de um crescimento económico de 1,5% num cenário de políticas invariantes, enquanto o FMI aponta para 1,7% e o Banco de Portugal 2%, valor que se afigura excessivamente otimista nesta altura –, tal condicionará ainda mais a margem orçamental para a implementação do programa de governo. De facto, tal reduziria a margem negocial com os sindicatos e com os partidos da oposição no Parlamento, onde o governo tem uma escassa maioria e poderá ter de oferecer contrapartidas para alcançar acordos e executar medidas, incluindo a aprovação do Orçamento de Estado de 2025, a apresentar em outubro.