Maria Natália Gonçalves, OBEGEF
Desengane-se quem espera ver os cofres do Estado engordar à custa do aumento das rendas. Tem vindo a observar-se um fenómeno de dimensões não determinadas e que embora não sendo novo, distorce o mercado e defrauda significativamente o erário público.
O acesso à habitação é uma das maiores agruras da atualidade, especialmente, para os jovens adultos. Arrendar um apartamento tipologia 2 nos arredores da cidade do Porto com uma renda de 1 000 euros é uma realidade difícil de conceber num país cujo salário mínimo nacional é inferior a esse montante, mas ainda assim é o que várias famílias têm enfrentado.
A pretexto das rendas excessivamente altas, diz-se ser a lei da oferta e da procura a funcionar e que os decisores políticos apenas podem adotar paliativos para um problema, alegadamente, irresolúvel.
Ainda assim, os teimosamente otimistas, conseguem ver algo positivo mesmo em situações escandalosas como as que observamos no mercado do arrendamento e lembram que graças ao aumento das rendas, o Estado estará a arrecadar mais impostos, o que é bom em termos de receitas fiscais. Com efeito, os valores não são desprezíveis, mesmo considerando a recente redução da taxa autónoma de tributação dos rendimentos prediais de 28% para 25% no contexto do pacote ‘Mais Habitação’.
Contudo, desengane-se quem espera ver os cofres do Estado engordar à custa do aumento das rendas. Tem vindo a observar-se um fenómeno de dimensões não determinadas e que embora não sendo novo, distorce o mercado e defrauda significativamente o erário público. Do ponto de vista jurídico, o esquema é designado por simulação de contratos, isto é, formalmente, as partes celebram um contrato diferente do desejado, com o fim de enganar terceiros. No caso, é reduzido a escrito um contrato de comodato, vulgo empréstimo de habitação, quando na verdade o acordo firmado é um arrendamento, com todas as características deste tipo contratual. O objetivo é óbvio: a fuga ao pagamento dos impostos devidos.
Ora, o contrato de comodato é, por natureza, gratuito; ou seja, não é devida qualquer contrapartida pela cedência do imóvel. Por essa razão, não existe a obrigação de comunicação do contrato à Autoridade Tributária e Aduaneira, nem de pagamento do imposto de selo previsto. Sendo assim, não é exigível aos senhorios qualquer imposto sobre rendimentos prediais, pois, ficticiamente, não estarão a ser recebidas rendas. Resultado, o Estado, ou seja, todos nós, somos defraudados, pelo tanto de receitas fiscais que deixam de ser arrecadadas e cujo destino deveria ser a satisfação de necessidades públicas de natureza financeira, económica ou social.
Economia não registada no seu melhor, com a conivência do sector da mediação imobiliária e o patrocínio dos escritórios de alguns advogados.
A gravidade do problema do mercado paralelo no arrendamento já foi sinalizada pela troika há cerca de uma década quando alertou Portugal para o enorme impacto desta realidade na economia portuguesa e instou os governantes a tomarem medidas de combate à fraude e à evasão fiscal neste sector económico. Mas terão sido elas suficientemente eficazes? Desconhecemos, mas não cremos, pois por mais medidas inspetivas que se projetem há um obstáculo que não é fácil de transpor – a dificuldade da detecção da fraude e da prova dos factos.
Vejamos o que a nova governação escolhida para Portugal vem a implementar nesta área, mas não sejamos ingénuos; nem tudo o que parece, é!
E não, não é apenas o mercado a ser mercado, é a ganância desenfreada a operar, sendo caso para dizer: ‘O amor ao dinheiro é (efetivamente) a raiz de todos os males’ (1 Timóteo 6:10).