Pedro Moura, Expresso online

Em quase todos os programas dos partidos a tónica dominante é a de atribuir ao Estado (através de medidas legislativas e processuais) o foco e a responsabilidade quase total do combate à corrupção, o que é, para mim, significativo do paradigma fundamental de ‘Estado-Paizinho-Paizão’ em que assenta a nossa realidade sócio-política

Ouvir falar de combate à corrupção no seio da atual campanha eleitoral causa-me sempre uma enorme comichão intelectual, pois o circo mediático atual (incluindo os debates) tende a despertar os instintos mais básico e primários da natureza humana, impedindo uma análise racional e, sobretudo, isenta, do que está em cima mesa. É a triste realidade em que vivemos: os media querem audiências, as audiências querem os média em modo panen et circenses, os média dão o que as audiências querem.

Decidi ir ler as seções dos programas dos partidos com representação parlamentar. Utilizei para tal o site Elege, um serviço livre que usa Inteligência Artificial (LLMs) para pesquisar e analisar programas eleitorais das Legislativas 2024 em Portugal. Sugiro experimentarem.

Após uma primeira passagem fiquei surpreendido com a similaridade de propostas entre forças políticas de campos totalmente opostos. Para dar um exemplo, com algumas nuances praticamente todos os partidos defendem a criminalização do enriquecimento ilícito. Outro exemplo, tanto o Bloco de Esquerda como o Chega (e a AD) defendem o confisco de bens, aparentemente ainda antes sequer de existirem condenações. Os extremos tocam-se?

Escusando-me de fazer aqui uma comparação ponto a ponto de propostas de combate à corrupção por parte dos partidos, opto por fazer um exercício subjetivo de análise comparativa dos capítulos dos programas dos partidos dedicados à corrupção, atribuindo notas de 1 (pior) a 5 (melhor) com base na minha perceção pessoal da mistura de conteúdo (propostas propriamente ditas) e forma (estilo de apresentação), sem nenhuma ordem em particular:

Livre: programa simples; foco em aspetos culturais e de prevenção; algumas medidas de prevenção e melhoria de deteção; pouco foco em penalização. Classificação: 3.

AD: programa extenso e abrangente; focado em medidas legislativas e processuais, pouco foco em aspetos culturais; muitas medidas de prevenção, melhoria de deteção e penalização. Classificação: 5.

BE: programa simples; nada focado em aspetos culturais; forte foco em medidas de penalização e repressão; incidência em legislação preventiva e processos de deteção. Classificação: 2.

PCP: programa simples; nada focado em aspetos culturais; forte foco em medidas de penalização e repressão; incidência em legislação preventiva e processos de deteção. Classificação: 2.

Chega: programa extenso e por vezes desconexo; algum foco em aspetos culturais forte foco em medidas de penalização e repressão de índole legislativa. Classificação: 4.

PS: programa muito simples, com pouco destaque para as questões do combate à corrupção; nada focado em aspetos culturais; lógica de continuidade de medidas que já estavam planeadas (ou que já deveriam estar implementadas; foco em medidas legislativas e processuais. Classificação: 2.

IL: não tem capítulo específico sobre combate a corrupção Classificação: 1.

PAN: programa extenso e abrangente, por vezes desconexo; algum foco em aspetos culturais; muitas medidas legislativas e processuais. Classificação: 4.

Termino com uma nota final: em quase todos os programas a tónica dominante é a de atribuir ao Estado (através de medidas legislativas e processuais) o foco e a responsabilidade quase total do combate à corrupção, aos níveis de prevenção, deteção e penalização. Nada de anormal aqui, até porque estamos a falar de partidos que (supostamente) querem gerir o Estado.

Mas o Estado não é uma entidade que se possa dissociar dos seus constituintes, i.e., os cidadãos. A falta, na esmagadora maioria dos casos, de medidas de índole mais diretamente ‘cultural’, em que se aposte na promoção não só de componentes normativas (ou seja, do Estado para o cidadão) mas que também trabalhe no aumento da responsabilização dos Cidadãos entre si, é, para mim, significativa do paradigma fundamental de ‘Estado-Paizinho-Paizão’ em que assenta a nossa realidade sócio-política.

 Não me canso de repetir que a verdadeira mudança e evolução não vem das volições voláteis do Estado: vem da mudança e evolução concretas de cada uma das pessoas para si e entre si.