José António Moreira, OBEGEF
O mês de dezembro é, habitualmente, o período do ano em que alguns portugueses procuram otimizar a carga fiscal sobre os seus rendimentos. A subscrição de PPR – Planos Poupança Reforma tende a surgir, então, como solução que produz impacto fiscal imediato.
Trata-se, como o nome indica, de um instrumento financeiro destinado a gerar um fundo de poupança a ser utilizado pelos respetivos titulares no período pós-reforma. Há-os para todos os perfis de risco, mais ou menos arriscados, com ou sem garantia do capital investido. Comum a todos eles, três caraterísticas: os benefícios fiscais que concedem a quem os subscreve, que é incentivo do Estado para fomentar a poupança; as modestas rentabilidades que proporcionam, na generalidade dos casos; as elevadas comissões de gestão cobradas pelas instituições financeiras que os gerem. Estas duas últimas caraterísticas estão ligadas entre si, porque sendo as comissões elevadas isso vai diminuir a rentabilidade do fundo.
Seria perfeitamente aceitável que uma equipa de peritos financeiros fosse remunerada pelo seu trabalho na gestão de fundos alheios, retendo uma parte dos resultados obtidos dessa gestão. Porém, no caso dos fundos de investimento, tal remuneração não é função dos resultados, mas do montante dos fundos à sua guarda. Por exemplo, no ano de 2022 o fundo CAPPR, distribuído pelo banco CXX e gerido por uma sociedade integralmente detida pela mesma instituição financeira (nomes fictícios de um fundo real), apresentou uma rentabilidade negativa de 17,5%. Neste número, 2,1% correspondem à totalidade das comissões cobradas pela sociedade gestora ao fundo. Em termos metafóricos, faça chuva ou sol sobre o fundo, a remuneração cobrada a este permanece sempre protegida das severidades climáticas.
Sejamos razoáveis, pensará o leitor, a equipa de gestão, todo aquele conjunto de peritos financeiros, a vasculhar o mundo a todo o momento, em busca dos investimentos mais rentáveis para o fundo, tem de ser remunerada todos os meses e não apenas quando o sol incide sobre o fundo.
Sim, é verdade que eles recebem o vencimento em cada mês. Mas, no caso da sociedade em causa, ela gere 35 fundos de investimento em simultâneo, pelo que pouco do seu tempo será colocado no esforço de desviar os raios de sol para o fundo CAPPR. Mais, a história não acaba aqui. Quando se lê detalhadamente o relatório anual do fundo – o que julgo que só fazem aforradores muito curiosos ou cronistas que têm um texto para escrever e entregar – verifica-se que os ativos do fundo são constituídos, integralmente, por unidades de participação em outros fundos de investimento. Não, não se trata de um lapso de leitura do cronista. No final de 2023, o referido fundo era constituído integralmente, por participações em outros fundos de investimento, na generalidade estrangeiros. Como essas outras gestoras de fundos cobram, em geral, um mínimo de 1,4% de comissões de gestão, o aforrador que detém unidades de participação no fundo CAPPR suporta, na verdade, direta e indiretamente, 3,5% de comissões de gestão! Convenhamos, leitor, que se trata de um esbulho.
O que se passa com este fundo em concreto não se distinguirá, julga-se, da generalidade dos restantes fundos que as instituições financeiras portuguesas gerem e oferecem à subscrição. Este tipo de produtos financeiros constitui para elas, metaforicamente, uma galinha de ovos de ouro. Com um mínimo de esforço, faça chuva ou sol sobre o fundo, a remuneração daquelas está assegurada.
“Por que investem os aforradores parte das suas poupanças neste tipo de produto?”, poderá perguntar-se. Há razões várias, mas a principal é o contexto fiscal que está subjacente aos PPR. [Tal como os saldos, também a ideia de redução de impostos tende a bloquear o sentido crítico de qualquer indivíduo.] Uma dedução à coleta de 20% do montante investido no ano, com limite que varia entre 400 e 300 euros, consoante a idade do aforrador; uma taxa de IRS mais baixa (8%) sobre o rendimento gerado no aforro se as unidades do fundo forem mantidas até à reforma. Porém, este benefício, que à partida parece atrativo, pode não o ser na realidade.
Suponha-se um aforrador jovem, que aplica o mínimo de 2000 euros para obter a dedução máxima à coleta de 400 euros. Tendo em consideração a comissão global de gestão de 3,5% acima referida, ao fim de 6 anos aquele montante de dedução já terá sido absorvido pelas comissões. O interesse da taxa reduzida de IRS dependerá da remuneração do fundo e do confronto com o rendimento de um hipotético investimento direto no fundo estrangeiro (que não beneficia de taxa reduzida de imposto). Será necessário construir cenários específicos de evolução, mas não é garantido que a solução com benefício fiscal seja favorável ao aforrador, dado que os 2,1% cobrados anualmente pela gestão do fundo delapidam, muito, a rentabilidade gerada pelos ativos. Uma coisa é certa: a gestão dos fundos PPR tende a apropriar-se de uma parte muito considerável (quando não integral) do esforço do Estado com os benefícios fiscais concedidos.
Os Certificados de Reforma, também denominados “PPR do Estado”, surgem como alternativa vantajosa no que respeita às comissões diretas, pois não as cobram. Porém, apresentam algumas desvantagens, como, por exemplo, o não permitirem adequar o fundo ao perfil do aforrador, ou a transferência para outra instituição ou fundo (o que é possível com os PPR), muito menos a mobilização antecipada antes da reforma.
Sobretudo os indivíduos mais jovens, deveriam ponderar a constituição regular de uma poupança complementar à que os sistemas de pensões lhes poderão assegurar no futuro. Porém, é desejável que considerem com cuidado o tipo de instrumento financeiro usado para o efeito. No que respeita aos PPR, como referido, o aforrador tenderá a ser fonte de rendimento seguro das instituições financeiras e os benefícios fiscais, que o Estado atribui e pesam negativamente no seu Orçamento, poderão não ser para ele (aforrador) mais do que uma quimera.