Mário Tavares da Silva, Expresso online
Uma outra preocupação manifestada pela equipa de avaliação do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) prende-se com a necessidade de serem criadas regras pormenorizadas sobre a forma como as pessoas com funções executivas de topo estabelecem contactos com lobistas e outras partes que procuram influenciar o processo legislativo e outros trabalhos governamentais, e bem assim, a necessidade de disponibilização de informação suficiente sobre o objetivo destes contactos, a identidade das pessoas com quem se realizaram as reuniões e, não menos importante, que o assunto específico objeto de discussão possa ser, afinal, divulgado
Remonta a 2002 o longínquo ano em que Portugal aderiu ao GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção). Neste longo percurso já feito, marcado por quatros ciclos de avaliação entretanto realizados (novembro de 2002, novembro de 2005, maio de 2010 e julho de 2015), a verdade é que ainda muito caminho há para percorrer, como aliás se pode alcançar com facilidade dos resultados constantes do relatório relativo à 5.ª ronda de avaliação, iniciada em 20 de março de 2017 pela equipa do GRECO e publicado na última quarta-feira, dia 10 de janeiro.
Neste relatório, que pretendeu sobretudo avaliar a eficácia das medidas adotadas pelas autoridades portuguesas com o objetivo de prevenir a corrupção e promover a integridade no âmbito do Governo central (funções executivas de topo) e no plano do funcionamento das forças e serviços de segurança, as conclusões tiradas pelo GRECO reconhecem, em primeira linha, o esforço efetuado nos últimos anos por Portugal. Fá-lo, no entanto, sem tirar o “pé do acelerador”, uma vez que continua a identificar um conjunto de fragilidades no processo, em curso, conducente à implementação efetiva de um sistema ético e de integridade robusto e eficaz das nossas instituições.
Assim, e procurando traçar uma síntese, é importante termos presente que no total das recomendações já efetuadas no âmbito dos 4 ciclos de avaliação, 92% das recomendações foram implementadas no primeiro, 81% no segundo e 77% no terceiro. Quanto ao quarto ciclo de avaliação, cujo acompanhamento das recomendações se encontra ainda em curso, a equipa de avaliação do GRECO, no que especificamente respeita à prevenção da corrupção no quadro da atuação de parlamentares, juízes e procuradores, domínio sensível conectado com o funcionamento de dois importantes órgãos de soberania, Assembleia da República e Tribunais, constata que apenas 20% das recomendações se mostram integralmente implementadas.
No plano não menos relevante do índice de Perceção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional, aquilo que resulta muito claro, apesar dos esforços envidados pelas autoridades responsáveis, é que Portugal continua a não “descolar”, ocupando em 2022, num universo de 180 países, a 33.ª posição, com uma pontuação de 62 num total de 100 possíveis (onde 0 corresponde a países com um alto nível de corrupção e 100 a países com um baixo nível de corrupção), cenário que aliás, refira-se, se tem revelado constante nos últimos cinco anos.
Há, naturalmente, aspetos positivos que o GRECO não deixa de reconhecer, referindo, a este propósito, que Portugal desenvolveu, entre 2019 e 2021, um extenso quadro legal e institucional anticorrupção, sobretudo ancorado nos novos referenciais normativos relativos à transparência e à adoção de medidas anticorrupção e integrando, entre outros, a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 (ENA), o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), um Código de Conduta para membros do Governo e membros dos gabinetes governamentais e, por fim, e não menos importante, um regime específico que estabelece regras de integridade e ética aplicáveis aos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, associado à criação de uma Entidade para a Transparência, legalmente responsável pela recolha e fiscalização das declarações de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos dos referidos titulares. Mas também aqui, apesar dos avanços registados, o GRECO deixa um relevante senão, sinalizando que o MENAC e a Entidade para a Transparência, apesar de entidades formalmente criadas, se encontrarem ainda em curso de implementação efetiva, não estando como tal, totalmente operacionais, com tudo o que isso impacta naquela que é a sua missão nos múltiplos e complexos stakeholders a que a sua relevante atividade se dirige. O mesmo sucede com a Estratégia Nacional Anticorrupção que reclama há muito, para plena operacionalidade, o respetivo e adequado plano de ação e de monitorização, diagnóstico que os avaliadores do GRECO estendem ao Código de Conduta do Governo, considerando que o mesmo carece de adequadas orientações, em particular no sensível domínio relativo aos conflitos de interesses.
São, por conseguintes, múltiplas as áreas onde, apesar do muito já feito, muito ainda se impõe fazer como sucede, por exemplo, com a falta de implementação efetiva dos requisitos relativos à proteção de denunciantes pelo Governo e pelas forças e serviços de segurança, com a falta de regras que permitam a verificação da integridade antes da nomeação de membros dos gabinetes governamentais, com a falta de aplicação consistente das regras determinativas de restrições pós-emprego para membros do Governo, com a ineficiência nos processos de acesso e de consulta de informação pública e, ainda, com a existência de inúmeras falhas no sistema de declaração de rendimentos, património, interesses, incompatibilidades e impedimentos de pessoas com funções executivas de topo (persons with top executive functions ou PTEFs), todas identificadas pela equipa do GRECO como constituindo relevantes fragilidades a requererem, naturalmente, o reforço de medidas para a sua adequada e eficaz superação.
No que especificamente respeita a conflitos de interesses e ofertas, o GRECO recomenda às autoridades portuguesas um reforço do respetivo quadro normativo, com um desenvolvimento que se pretende o mais concreto possível, devendo ainda complementar-se esse esforço de densificação com um mecanismo de aconselhamento confidencial para as situações e dilemas éticos que possam exigir esse olhar mais fino.
No plano das informações relativas à receção de presentes, ofertas, hospitalidades, convites e outros benefícios por pessoas com funções executivas de topo, o GRECO recomenda que devam as mesmas ser registadas centralmente e atempadamente disponibilizadas ao público, assim se cumprindo a necessidade de transparência e o desejável escrutínio público sobre essa matéria.
Uma outra preocupação manifestada pela equipa de avaliação do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) prende-se com a necessidade de serem criadas regras pormenorizadas sobre a forma como as pessoas com funções executivas de topo estabelecem contactos com lobistas e outras partes que procuram influenciar o processo legislativo e outros trabalhos governamentais, e bem assim, a necessidade de disponibilização de informação suficiente sobre o objetivo destes contactos, a identidade das pessoas com quem se realizaram as reuniões e, não menos importante, que o assunto específico objeto de discussão possa ser, afinal, divulgado.
Finalmente, e para lá de uma outra relevante recomendação no sentido de se estabelecer e publicar na internet um plano de prevenção dos riscos de corrupção específico para as pessoas com funções executivas de topo, que inclua a identificação dos riscos relacionados com a integridade e as medidas corretivas adequadas e que seja, simultaneamente, objeto de monitorização regular, de forma pública e transparente, pelo MENAC, uma outra linha de ação que o GRECO deixa às autoridades portuguesas, passa pela criação de condições por forma a garantir uma formação de natureza formal relativa a normas de integridade, a todas as pessoas com funções executivas de topo, no momento da sua tomada de posse, devendo essa formação, complementarmente, ser regulamente atualizada face aos referencias éticos mais relevantes para a função, medida que nos parece igualmente muito positiva e a que acresce o já referido aconselhamento confidencial para situações mais sensíveis.
Em síntese, diríamos que se trata, sem dúvida, de um importante relatório, dado a conhecer num momento não menos relevante para o país e que pode, estamos certos, constituir uma fonte privilegiada de boa inspiração para que todos, sem exceção, melhor possamos divisar o caminho que temos pela frente e, desse modo, contribuir decisivamente para uma sociedade mais justa, mais inclusiva e, sobretudo, mais transparente.