Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Em 2012, os economistas Acemoglu e Robinson publicaram o seminal livro "Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty", destacando o papel fundamental das instituições adequadas (inclusivas e plurais) no desenvolvimento e prosperidade de uma nação. Nesta crónica são explorados os ensinamentos oferecidos para a compreensão da situação atual de Portugal, membro da União Europeia (UE), que recentemente acentuou a trajetória de descida para a cauda da UE em nível e qualidade de vida.

Segundo os autores, um país bem-sucedido carece de instituições adequadas, o que, por sua vez, requer: (i) uma constituição apropriada, (ii) eleições democráticas e (iii) um poder político competente.

(i) Vamos assumir que a constituição portuguesa serve, mesmo tendo insuficiências óbvias – permite, por exemplo, que os deputados não estejam diretamente vinculados à responsabilidade perante os seus eleitores, resultando na restrição da participação do público no controlo da qualidade dos representantes políticos e nas suas ações, o que incentiva o aumento da abstenção eleitoral.

(ii) Por outro lado, as eleições não são verdadeiramente democráticas, se pensarmos um pouco. A insuficiente responsabilização da atuação dos políticos perante os eleitores leva à abstenção de cidadãos informados – por concluírem que a reeleição de governos que não cumprem as suas promessas eleitorais reduz o valor do seu voto enquanto vetor de mudança –, deixando a decisão dos atos eleitorais muito dependente daqueles que encaram os partidos como “clubes” e as eleições como concursos de popularidade, precisamente os eleitores que são mais suscetíveis de serem enganados por jogos políticos e promessas vazias.

O incumbente, no poder de forma quase ininterrupta há quase duas décadas, beneficia da propensão natural para a escolha do “clube vencedor” e das promessas mais populares, mesmo que não favoreçam o desenvolvimento sustentável do país. Infelizmente, temos vindo a aproximar-nos de uma forma mais ou menos “leve” de “mexicanização” da política, uma alusão às estratégias do Partido Revolucionário Mexicano (PRM) para obter maiorias eleitorais e se manter no poder durante mais de sete décadas, incluindo a concessão de apoios populares – o que o governo tem feito junto dos segmentos mais significativos e vulneráveis de eleitores, como os pensionistas e os mais pobres, com menor capacidade para discernir a insuficiência das políticas públicas – e possível tráfico de influências (também designado de “caciquismo”), precisamente a suspeita do Ministério Público que levou à queda do atual governo. Digo “leve”, porque estou a excluir no caso nacional formas ilegais usadas pelo PRM, como fraudes eleitorais, e porque estão ainda por demonstrar as acusações de tráfico de influências – no caso do (ainda) primeiro-ministro, a julgar por notícias recentes dos media, está a ser investigado por suspeitas de “prevaricação” (lei supostamente “feita à medida” para beneficiar a empresa Start Campus).

(iii) A competência do poder político que nos tem governado é também muito questionável, tendo em conta as três quase falências do país no pós-25 de abril. Atualmente, com o incumbente no poder quase vinte anos seguidos – incluindo aquando do pedido de ajuda externa à Troika de credores em 2011 para evitar a bancarrota do Estado, que exigiu a implementação de um doloroso Programa de ajustamento –, as decisões são cada vez mais casuísticas e discricionárias, beneficiando a (sua) elite e aprofundando desigualdades sociais e regionais.

O poder político inabalável que adquiriu tem vindo a negligenciar o bem comum, promovendo oportunidades desiguais – veja-se o caso da não cobrança de imposto na venda das barragens do Douro pela EDP, privando os municípios da região de importantes recursos e prejudicando, assim, o interior do país.

A consequência é o compadrio e a criação de intermediários improdutivos preocupados com o interesse pessoal, em prejuízo da ética, do interesse coletivo, da equidade e, de forma associada, da meritocracia, um vetor crucial para o aumento da produtividade (e da riqueza a distribuir), da igualdade de oportunidades e, no fundo, da justiça social.

Independentemente do que vier a resultar das investigações do Ministério Público aos membros do governo (incluindo o ainda primeiro-ministro) – e, com sinceridade, espero que não se venham a verificar as mais graves suspeitas, pois seria o ponto mais baixo da nossa Democracia, que vai fazer 50 anos este ano –, do que é conhecido, parece não haver dúvida da existência de intermediários e, no mínimo, de atuações pouco claras e discricionárias, sendo preocupante que o ainda primeiro-ministro tenha defendido, aquando da justificação para a sua demissão, que “futuros governos não percam instrumentos de ação política que são essenciais à atração do investimento”. Se a atração de investimento exige atuações discricionárias de variados membros do governo e a existência de intermediários, algo está muito mal na atuação do governo e do Estado que representa.

Exigem-se mecanismos transparentes e escrutináveis de atração de investimento, que é fundamental para o desenvolvimento do país. Uma carga fiscal mais baixa sobre o capital (aumentando a nossa competitividade fiscal, reconhecidamente baixa), nomeadamente, afigura-se um mecanismo muito mais eficaz e transparente de atração de investimento do que parecem ser estas atuações obscuras e reveladoras de uma profunda ineficácia da parte da administração pública envolvida nesses processos de investimento, pois se assim não fosse não seria precisas as diligências pouco claras e suspeitas que têm vindo a público para desbloquear processos e decisões (supostamente) em favor dos investidores.

É ainda reconhecido que, paradoxalmente, o ano e meio de maioria absoluta foi o mais instável – e, por isso, o pior – dos governos de António Costa. Para tal contribuiu, é preciso dizer, uma certa “balcanização” promovida por Costa no governo, ao colocar nas principais pastas ministeriais os potenciais candidatos do Partido à sua sucessão, qual “corrida de galgos” a ver quem cortava a meta em primeiro lugar. Essa “balcanização” materializou-se numa dificuldade evidente de António Costa em controlar as diversas fações do PS, ajudando a perceber a não demissão de vários ministros já “mortos politicamente” ao longo dos seus mandatos, o que contribuiu para a instabilidade governativa e a falta de qualidade das políticas públicas, que assim passaram para último lugar, prejudicando seriamente o país.

O cruzamento entre a “balcanização” promovida e as intervenções pouco claras e eficazes dos governantes acabou por deitar abaixo o que, à partida, teria condições para ser o mais estável dos governos de António Costa, prejudicando a referida estratégia de uma “forma leve” de “mexicanização” do sistema, que já está a ser recuperada pelo novo líder, como é visível nas suas diversas intervenções.

Face ao acima exposto, a corrupção, caracterizada pelo abuso de cargos públicos para ganhos privados, parece ter vindo a aumentar, exacerbada pelas deficiências do sistema judicial, que é moroso, dispendioso e não assegura um tratamento igual perante a lei. Observa-se uma crescente extratividade nas instituições que, por sua vez, distanciam ainda mais os cidadãos da participação na vida coletiva.

Com as atuais estruturas institucionais e o que tem vindo a ser a ação do governo, a atividade económica é atrapalhada e condicionada, desmotivando investidores e inovadores – o que se agravou após as investigações a membros do governo, sendo várias as notícias de desistência ou suspensão de investimentos em Portugal. A insuficiência de investimento, inovação e capital humano leva à dependência do emprego de mão-de-obra barata e ao insucesso. O contexto atual barra o caminho para a ascensão geral do país e dos seus cidadãos, atuais e futuros, em direção à prosperidade média da UE, mas a integração nesse bloco garante uma rota de fuga a (mais) pobreza, como mostra o excelente exemplo da Irlanda e das economias de leste que já nos ultrapassaram em nível de vida.

A corrupção é intrínseca à forma como o poder é exercido e não pode ser combatida apenas com leis. As raízes encontram-se, pois, em instituições fracas, extrativas, burocráticas e politizadas, alimentadas por intervenções governamentais desnecessárias, cargos dissociados das qualificações e salários desconectados do desempenho. Assim, embora as regras formais permaneçam em vigor, tendem a ser substituídas por muita informalidade. Como a corrupção se opõe aos valores de equidade, eficiência, transparência e honestidade, acaba por enfraquecer a atuação da função pública e, num círculo vicioso, prejudicar o desempenho eficaz do governo.

A responsabilidade coletiva de combate à corrupção precisa da participação ativa dos cidadãos, instituições, governo, setor privado, organizações da sociedade civil e, não menos importante, dos media, devendo envolver os níveis legislativo, executivo e judiciário e consistir em medidas de prevenção, deteção e punição da corrupção.

Na prevenção, é vital promover uma cultura de ética e transparência nas instituições públicas e privadas, elegendo um governo ético, renovado e dinâmico. A deteção requer melhorias nas capacidades investigativas, fortalecendo as instituições responsáveis pela punição. A punição efetiva exige processos judiciais céleres e justos.

A luta contra o fenómeno da corrupção fortalece a democracia, promove a transparência e protege os interesses públicos, contribuindo para uma sociedade mais confiante e com maior proximidade entre representantes e representados. Desse modo, ficam preservados os princípios fundamentais de justiça, equidade e transparência, essenciais para um ambiente propício ao crescimento sustentável, coesão social e confiança nas instituições.

Conclui-se que há muito a fazer para melhorar a qualidade das instituições e políticas em Portugal, para termos uma economia e Sociedade mais desenvolvidas, com valores de produtividade e nível de vida próximo dos países mais ricos da UE, bem como uma distribuição mais equitativa do bem-estar ao longo do território e entre gerações.

Cabe a cada cidadão eleitor informar-se sobre as propostas das várias áreas políticas e usar o seu voto para contribuir para um futuro melhor, escolhendo a força política com melhores políticas públicas, incluindo a defesa dos valores da ética e meritocracia, que são cruciais para o desenvolvimento.