Pedro Moura, Expresso online

Os sistemas fundamentais de Educação, Saúde e Habitação degradam-se aceleradamente, mesmo sendo o discurso oficial que — pelo contrário estão sempre a melhorar — os orçamentos a aumentar

Portugal é o melhor país do mundo em tantas áreas, que mais uma não fará mal. Proponho que o nosso jardim à beira-mar plantado (mas em que o jardineiro parece ter morrido ou está de greve) seja oficialmente decretado como o país com a melhor Inconsequência do mundo.

De onde vem esta minha proposta?

Em primeiro lugar é sempre tema para mais umas notícias espúrias repetidas ad nauseam nos canais informativos e umas conversas moles já que não se tem mesmo mais nada de que falar.

Em segundo lugar basta atentar-se à realidade, para perceber que só falta mesmo a nomeação do título por um qualquer alto magistrado da nação.

Os sistemas fundamentais de Educação, Saúde e Habitação degradam-se aceleradamente, mesmo sendo o discurso oficial que, pelo contrário estão sempre a melhorar, os orçamentos a aumentar. Passam Primeiros-Ministros, Ministros, Secretários de Estado, Diretores Gerais, Comissões e Grupos de Estudo disto e daquilo, e nunca ninguém é responsável por nada. Excelente inconsequência!

Continua: a nossa economia vai ficando cada vez mais para trás em comparação com a esmagadora maioria dos países da União Europeia, nem uma palavra sobre o assunto. Os níveis de pobreza antes da ‘Assistência do Estado’ são cada vez maiores, nem uma palavra sobre o assunto. De repente não há médicos, professores e outras profissões fundamentais, e os peritos dizem que ainda vai piorar, nem uma palavra sobre o assunto. Portugal é dos países com mais fogos por família, mas não há casas no mercado, nem uma palavra sobre o assunto.

Os serviços públicos são cada vez mais inacessíveis, as tentativas de digitalização criam websites e aplicações que raramente funcionam, reclamações de mau atendimento são polidamente ‘tidas em conta para melhorias no futuro’, continuam impunemente os pequenos favores e falcatruas, tudo é complicado, lento e exasperante. Mas tout va bien, a ‘máquina’ é tão grande (efetivamente o número de funcionários públicos e respetivo custo tem crescido a bom ritmo nos últimos 8 anos) que se compreende que ‘nem tudo corra sempre como devia correr’, o que quer que tal dito queira dizer. Mais uma vez, impossível qualquer tipo de responsabilidade real, logo, de uma sublime inconsequência. Existe, mas muitas vezes nem se percebe muito bem se ainda está viva.

Casos, casinhos e casões judiciais pululam alegremente por todo o lado, muitas vezes quando ainda não são mais que denúncias (temos um MP muito falador, e, felizmente, também muito pouco consequente), mas que enfermam de um mal: quem os queira acompanhar tem de ter uma boa genética e hábitos alimentares por forma a conseguir ter longevidade suficiente para ter a esperança de ver algo consequente acontecer. Eu apostaria que raros serão os agraciados com tal dádiva. Em Portugal talvez se devesse começar a ensinar às crianças que estão na fase de estudarem os sinónimos que uma boa correspondência para Justiça talvez seja Inconsequência. Afinal de contas, a Novilíngua é um fenómeno que floresce com e promove a Ambiguidade, uma das variáveis absolutamente necessária para o atingir de níveis olímpicos de Inconsequência.

Mas não só nas altas esferas somos os campeões da Inconsequência. Até porque as ‘altas esferas’ vivem com sólidos pilares cravados no pântano da inconsequência das ‘baixas esferas’. O cidadão em Portugal tende, felizmente, a ser Inconsequente até ao tutano.

Por cá a Responsabilidade tende a ser um conceito difuso: quando as coisas correm bem, o cidadão é, obviamente, o responsável, único, premeditado, totalmente exemplar, sem qualquer ajuda externa; quando dá asneira, a Responsabilidade é sempre de outro, outros, outrem, o governo, os empregados, os patrões, esses malandros, ah e tal. Embora este comportamento possa, à primeira vista, parecer consequente, uma análise mais próxima revela a realidade: ele é C-o-n-s-i-s-t-e-n-t-e, previsível, não Inconsequente.

O cidadão é naturalmente um indignado perante tanta inconsequência. E não é para menos, perante tamanha vileza. Indigna-se contra tudo e todos, protesta porque sim e porque não, ladra mas nunca morde, não perdoa negligências ou esquemas a não ser que ele (ou alguém próximo) esteja envolvido. Secretamente, no entanto, sonha poder praticar a bela arte da Inconsequência a níveis mais elevados: nunca ter de assumir responsabilidades ou consequências por certas coisas, mas coisas com impacto.

Penso ter conseguido provar o mérito nacional no que a Inconsequência toca. Por cá não importa na realidade muito o que se faça, as consequências ficarão sempre para outros.