Miguel Abrantes, Jornal i online
Depois da globalização a capacidade de produzir semicondutores de alta tecnologia constitui a nova forma de acumulação de riqueza, como era a acumulação de metais preciosos no século XVII, no tempo de Jean-Baptiste Colbert
Jean-Baptiste Colbert foi um político francês do século XVII, Ministro de Estado e da Economia do rei Luís XIV, que ficou conhecido por ter instalado o colbertismo em França, teoria que teve uma grande importância no desenvolvimento da teoria mercantilista e das práticas de intervenção estatal na economia que este defendia.
O mercantilismo sustentava que a riqueza de uma nação residia na acumulação de metais preciosos (ouro e prata), advogando que estes eram obtidos através do incremento das exportações e da restrição das importações (conseguindo uma balança comercial favorável).
Atualmente, a riqueza das nações reside no controlo da alta tecnologia, designadamente, na produção de semicondutores.
Com efeito, nos dias de hoje, o desenho e a produção de semicondutores conferem uma posição dominante no contexto económico atual, embora nem todos os tipos de semicondutores tenham a mesma relevância.
Basicamente, existem dois tipos de semicondutores: lógicos e de memória.
Os semicondutores lógicos são os responsáveis por realizar os cálculos executados pelos computadores e encontram-se instalados nos diversos aparelhos imprescindíveis para o funcionamento da sociedade, desde os telemóveis até aos instrumentos instalados nos veículos de lançamento espacial como o Soyuz, o Ariane e o Falcon 9 ou os futuros Starship e SLS.
Os semicondutores de memória armazenam os dados em aparelhos tão diversos como Pen Drives ou bases de dados do fisco, que, em alguns países, como a Índia, a China ou os Estados Unidos, têm mais de 300 milhões de contribuintes registados.
Atualmente, os maiores fabricantes de semicondutores são, por esta ordem: a TSMC (de Taiwan); a Samsung (da Coreia do Sul); a Qualcomm (dos Estados Unidos); a SK Hynix (da Coreia do Sul); a Broadcom (dos Estados Unidos); a Micron (dos Estados Unidos); e a Nvidia (também dos Estados Unidos).
Existem também empresas que são importantes desenhadoras e fabricantes de semicondutores, mas que não aparecem na lista das maiores 10 fabricantes, como a INTEL e a AMD.
Os países europeus, a Rússia e a China não possuem empresas de dimensão mundial que produzam semicondutores que utilizem tecnologia de ponta, o que implica que estejam numa situação de desvantagem.
Todavia, a situação é distinta nos referidos países devido à influência dos Estados Unidos, que, na prática, controlam a produção e o comércio mundial dos semicondutores que utilizam tecnologia de ponta.
Pois, algumas das principais empresas produtoras destes dispositivos são norte americanas e as que não são pertencem a países que estão dependentes dos Estados Unidos (como Taiwan e a Coreia do Sul), o que implica que os países da europa ocidental têm mais facilidade em instalar empresas que produzem semicondutores que a Rússia ou a China.
Acresce que a única empresa do mundo capaz de produzir as máquinas que fabricam semicondutores de alta tecnologia (a ASML) está localizada nos Países Baixos, um país europeu aliado dos Estados Unidos.
Em junho de 2023 foi noticiado que o governo alemão e a norte-americana Intel chegaram a acordo quanto ao aumento de subsídios para a construção de uma fábrica de semicondutores em território alemão. Para o efeito, o governo de Berlim irá disponibilizar 10 mil milhões de euros, acima dos 6,8 mil milhões inicialmente acordados. A Intel, por outro lado, irá investir 30 mil milhões de euros, acima dos 17 mil milhões inicialmente previstos.
Dois meses depois, em agosto de 2023, foi também noticiado que a maior fabricante mundial de semicondutores, a TSMC de Taiwan, vai instalar a sua primeira fábrica na europa ocidental, também na Alemanha. A TSMC irá deter 70% do projeto e trabalhará com três parceiros europeus, a empresa neerlandesa NXP e as alemãs INFINEON e BOSCH, cada uma com uma participação de 10%.
Finalmente, já em janeiro de 2024, foi noticiado que o governo dos Estados Unidos pressionou com sucesso o governo dos Países Baixos para impedirem que a ASML fornecesse à China equipamento de fabrico de semicondutores.
Independentemente de terem maior ou menor facilidade no acesso à produção de semicondutores, os países atualmente têm consciência que a sua riqueza depende da capacidade que dispõem para produzir componentes eletrónicos de alta tecnologia.
Desta forma, os governos esquecem a globalização e a facilidade em adquirir componentes eletrónicos em qualquer parte do mundo com custos de produção mais baixos e esforçam-se em produzir componentes de alta tecnologia, mesmo que seja por preços mais elevados.
A acumulação de capacidade industrial para produzir semicondutores teologicamente avançados, atualmente, substituiu a acumulação de ouro e prata do século XVII. No fundo voltaram a aplicar-se as às teorias de Jean-Baptiste Colbert para substituir a globalização, mas, desta vez, mediante o controlo do desenho e da produção de semicondutores.