Maria Natália Gonçalves, Jornal i online
A agenda é marcada pelo individualismo, pela conveniência partidária, pelos jogos de poder, um turbilhão de vaidades e egos inflamados. Sem autenticidade, sem cor, sabor ou paixão
Chegou 2024! E agora?
Passada a quimera que nos inebriou nas últimas semanas e chegado o frescor do novo ano, somos catapultados para a impiedade dos dias. Sem surpresa, dou por mim a matutar acerca do que observo no panorama político nacional.
Vislumbro governantes em animada e enérgica atividade, os cessantes, os candidatos e os ‘satélites’ que gravitam ao derredor. Vejo governados apáticos e desencantados com o resultado de 50 anos de vivência democrática, jovens ou nem tanto, mas todos à deriva. Miro ainda a esmorecida res publica, alegadamente, o eixo estruturante do nosso sistema jurídico-constitucional de governo.
Olhando mais de perto, vejo o esboço de aparições do passado. Governantes cessantes moralmente diminuídos, mas que se exibem como notáveis semideuses, santos cujos pecados são continuamente branqueados pelas máquinas de marketing e comunicação partidária, construtoras exímias de narrativas distorcidas de manipulação coletiva. A superioridade moral não lhes permite assumir responsabilidades; pelo contrário, todo o prejuízo é imputado a terceiros mal-intencionados ou a circunstâncias a que são completamente alheios.
E os aspirantes a governantes? Esses ambicionam ser herdeiros dos antecessores, prestam-lhes honras e seguem-lhes as pisadas. No reino fantástico do frenesim partidário tudo é pensado ao detalhe: a indumentária, a linguagem corporal, as palavras esculpidas a cinzel, os temperamentos refinados... Em suma, políticos profissionais adestrados ao ritmo dos tambores dos assessores de campanha.
É preciso uma boa lupa para encontrar a substância da visão programática dos candidatos, tão bem camufladas que está entre o lixo da estratégia e do combate político. Ajustes de contas, invocação de demónios passados ou futuros, intrujices e murmurações muito ao estilo da populaça, mas longe do tão necessário debate enxuto e maduro de ideias válidas para Portugal. Mais do mesmo, sem novidade ou entusiasmo...
Os governados esses estão cada vez mais anestesiados entre as tricas futebolísticas e a vida ‘faz de conta’ que acontece nas redes sociais. Insatisfeitos, vivem contristados, reclamam, falam mal de tudo e de todos... da meteorologia, dos serviços públicos, do vizinho, do professor, do patrão e, obviamente, dos governantes...
Do ponto de vista da participação política, os governados manifestam-se indiferentes e distantes, como se o assunto não lhes dissesse respeito. Titubeiam acomodados ao assistencialismo bacoco que se eterniza sob o chapéu da política socialista do ‘pobrezinho de estimação’. Sem ambição, bastam-se com migalhas e mantêm-se de braços caídos, sem vitalidade cívica.
Mas, o mais pavoroso é a perpetuação da religiosidade que aprisiona os eleitores a vínculos de lealdade partidária que os empurra para uma espiral de más escolhas de governo; uma síndrome bem ao estilo ‘Gabriela, Cravo e Canela’: “... Eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim; Vou ser sempre assim Gabriela, sempre Gabriela…”.
Como cidadãos devemos aprender que o voto é o maior ato individual de exercício da liberdade política e o modo como o exercemos torna-nos corresponsáveis pelas falhas dos governantes. Afinal, os que têm mostrado brechas na integridade foram escolhidos democraticamente por todos nós e aqui incluem-se os abstencionistas, pois a abstenção também é um ato de escolha individual. Não é, por isso, intelectualmente honesto alhearmo-nos e fingirmos que não contribuímos, ativa ou passivamente, para o atual estado de degradação.
Mas a boa notícia é que a realidade pode ser transfigurada a cada ato eleitoral a que somos chamados. Não nos deixemos tolher pelo fantasma da mudança e pela crença na catástrofe eminente que daí advirá, pois a liberdade é para ser exercida plena e responsavelmente. Precisamos amadurecer e emancipar-nos democraticamente, deixando de ser um povo de vistas curtas e memória fraca. Aumentar os nossos níveis de exigência na gestão da res publica atrairá políticos de excelência, com nobreza de carácter, espírito de missão e sinceramente dedicados à causa pública.
Se assim não for, continuaremos a empurrar o fardo dos dias, perpetuando o status quo da farsa e do desencanto, da estagnação coletiva, quiçá interrompida por um ou outro momento de elevação da moral nacional; mas, bem breve, para não nos habituarmos! Talvez o campeonato europeu de futebol dê uma ajuda, uns quantos festivais de verão ou umas peregrinações a Fátima transmitidas em direito. Um ciclo de mais do mesmo: Pão e circo, à moda da Roma antiga!
Parafraseando uma das verdades da sabedoria milenar: Quando a nação tem líderes inteligentes e sensatos, ela torna-se forte e firme; mas, quando a nação é moralmente corrupta, o governo cai a todo o momento (Provérbios 28:2).
Do ponto de vista da governação, aconteça o que acontecer em 2024, sempre se confirmará a célebre afirmação de Joseph-Marie de Maistre (séc. XIX): “Toute nation a le gouvernement qu'elle mérite” (“Toda a nação tem os governantes que merece”)!