José António Moreira, Expresso online
Uma fraude é sempre um crime, gerando, em termos económicos, uma ou mais externalidades económicas negativas. Mas “poderá um crime gerar externalidades positivas?”
O conceito de externalidade económica é central na Economia. Refere-se aos efeitos colaterais resultantes de uma qualquer decisão económica, não capturados pelo mercado via preço. Por exemplo, o ato de se viajar num veículo a combustão, pela poluição que causa, gera uma externalidade negativa para toda a sociedade, para cada cidadão em particular. Porém, se o sr. Joaquim decidir semear um prado, que floresce na Primavera, ou encher o seu jardim de flores, está a gerar uma externalidade positiva para o seu compadre Manuel, que é apicultor, mesmo que não fosse essa a sua intenção. Acresce que há decisões económicas que podem provocar, simultaneamente, externalidades negativas e positivas. É o caso da construção de uma fábrica, que pode gerar algum tipo de poluição, mas também gera emprego e aumento do rendimento local.
Uma fraude, genericamente considerada, é um esquema ilícito ou de má-fé, implementado por alguém para obter ganhos à custa de terceiros. No caso da fraude contabilística, esse esquema assenta na manipulação das contas de uma empresa de modo que o seu balanço, a fotografia que a empresa divulga sobre a sua situação financeira, mostre uma imagem diferente da realmente existente. O objetivo do defraudador pode ser obter um ganho para si ou para a empresa – por exemplo, quando a manipulação tem em vista mostrar menos lucros dos que os obtidos, para reduzir o pagamento de imposto; ou evitar uma perda – por exemplo, quando a manipulação é feita no sentido de mostrar uma situação financeira saudável, inexistente na realidade, de modo a evitar que os bancos cessem o financiamento à empresa. Uma fraude é sempre um crime, gerando, em termos económicos, uma ou mais externalidades económicas negativas.
“Poderá um crime gerar externalidades positivas?”, é pergunta que parece não fazer sentido, por se antecipar à partida uma resposta negativa. Porém, os investigadores R. Carnes, D. Christensen e P. Madsen tomaram-na como base do seu artigo “Externalities of financial statement fraud on the incoming accounting labor force” (Journal of Accounting Research). Partindo de um base de dados com informação detalhada de mais de dois milhões de estudantes americanos, para um período de 20 anos, complementada com mais 10 anos de histórico de uma base de dados profissionais, testaram o impacto no percurso universitário e profissional desses estudantes resultante da ocorrência de fraudes contabilístico-financeiras. Concretamente, analisaram se o facto de ter ocorrido este tipo de fraudes no período em que eram estudantes do ensino secundário, em empresas com sede social nas zonas ou regiões em que aqueles viviam, afetou as suas escolhas por áreas de formação académica e de atividade profissional ligadas à contabilidade e matérias conexas.
Encontraram evidência de que os jovens que tinham estado expostos a informação sobre esse tipo de fraudes tenderam a escolher em maior grau cursos e áreas de especialização ligados à contabilidade e afins, mais tarde enveredando por carreiras profissionais ligadas a tais áreas, como sejam a auditoria e a revisão de contas (CPA, Certified Public Accountant). Adicionalmente, a partir da informação de que dispunham, os investigadores sugerem que tais escolhas terão tido na origem razões não pecuniárias, já que são áreas profissionalmente menos reconhecidas e rentáveis do que outras ligadas à parte comercial das empresas. Concluem que a ocorrência de tal tipo de fraudes, adicionalmente a todas as externalidades negativas que provocaram, terá gerado uma natureza positiva ao direcionar jovens estudantes para áreas de formação e, mais tarde, carreiras profissionais geralmente menos procuradas e mais ligadas ao serviço de cariz público.
São resultados válidos para o contexto americano, que contrariam a expetativa genérica que se teria à partida quanto à resposta à pergunta formulada. Dada a censura social e judicial associada à ocorrência de tais fraudes e as consequências sociais negativas que em muitos casos elas geram, seria de esperar que os jovens que sofreram tal exposição tivessem ficado traumatizados – como hoje, por tudo e por nada, se teme possa acontecer – e procurassem áreas de formação e profissionais distintas das que mais de perto interagem com aqueles acontecimentos.
Perceber qual o racional que levou a tais escolhas por parte dos estudantes é muito mais do que mera curiosidade. É procurar fazer sentido dos resultados da investigação. O artigo é omisso quanto a este aspeto. Será que no caso apresentado o racional das escolhas foi idêntico ao que leva jovens a enveredarem por uma carreira médica na sequência da ocorrência de doença grave num familiar ou amigo? Ou dos que decidem ser bombeiros, na sequência da exposição a incêndios?
Se foi, é-se levado a crer que mesmo no meio do mal desponta sempre algo de bom, por diminuto que seja.