Sofia Nair Barbosa, Jornal i online

Portugal ainda tem um caminho a percorrer para alcançar os níveis mais baixos de perceção de corrupção

Portugal, nos últimos anos, tem estado sob análise, no que diz respeito ao combate à fraude e corrupção. O país tem assistido a uma série de desenvolvimentos legislativos significativos, enfrentando ao mesmo tempo desafios complexos nesta área. O presente artigo procura contribuir para uma perspetiva holística e realista da situação atual em Portugal, tendo em conta os desenvolvimentos legislativos, índices de corrupção, relatórios e outras informações relevante, culminando assim, numa reflexão dos impactos que estas matérias podem ter num país como Portugal.

É certo que Portugal tem feito avanços notáveis em termos legislativos, tais como o Decreto-Lei n.º 109-E/2021, que estabelece o Regime Geral da Prevenção da Corrupção e a Lei n.º 94/2021, que integra a Estratégia Nacional Anticorrupção, e ambas as leis refletem um compromisso sério com a integridade e a transparência. Estas leis surgem, no sentido de contribuir para uma sociedade mais justa e transparente. Contudo, após uma pesquisa abrangente, não foram encontrados detalhes específicos ou casos práticos sobre a implementação do Decreto-Lei n.º 109-E/2021 em Portugal. Apesar de termos presente a utilidade positiva da adoção destas Leis, atualmente, verificamos que a falta de casos específicos ou relatórios de avaliação, não é suficiente para verificar o impacto prático e a eficácia destas medidas na realidade atual de Portugal. E por isso, sabendo que estas medidas têm por base legislação da União Europeia, realizamos uma breve pesquisa da evolução da prevenção à fraude e à corrupção em outros países da União Europeia. Embora cada país tenha as suas próprias leis e abordagens, são vários os casos de sucesso que refletem um compromisso para com a transparência e a prevenção da corrupção, nomeadamente:

  • França - Lei Sapin II:

Melhoria no Compliance: A Lei Sapin II levou as empresas francesas a melhorarem significativamente seus programas de compliance e ética. Isto inclui a implementação de procedimentos internos mais rigorosos e a formação de comités dedicados à prevenção da corrupção.

Proteção de Denunciantes: A lei aumentou a proteção para os denunciantes, no sentido de incentivar a partilha de informação sobre atos de fraude/corrupção.

Agence Française Anticorruption (AFA): Esta agência é fundamental na supervisão e na avaliação dos esforços das empresas para combater a corrupção, levando a uma maior responsabilização.

  • Reino Unido - UK Bribery Act (Embora o Reino Unido não faça mais parte da União Europeia, o UK Bribery Act de 2010 é um exemplo importante a considerar, quando abordamos temas relacionados com legislação de anticorrupção):

Alcance Global: O UK Bribery Act teve um impacto global, afetando empresas internacionais que operam no Reino Unido. Isto aumentou a consciencialização e o cumprimento das leis anti-suborno em uma escala internacional.

Mudança na Cultura Organizacional: Mudanças significativas na cultura organizacional no Reino Unido, com as empresas a adotar políticas de zero tolerância para suborno e corrupção.

Casos de Penalidades: Vários casos de penalidades e sanções foram aplicados sob o UK Bribery Act, o que demonstrou eficácia na responsabilização de atos de suborno e corrupção.

  • Alemanha - Gesetz zur Bekämpfung der Korruption:

Aumento da Transparência: A legislação alemã ajudou a aumentar a transparência nas operações empresariais e governamentais.

Fortalecimento da Responsabilidade Corporativa: As empresas na Alemanha tornaram-se mais responsáveis nas suas operações, com a implementação de sistemas de compliance mais robustos.

  • Itália - Legge 231:

Responsabilização das Empresas: A Legge 231 é uma Lei que foi fundamental para o combate à corrupção e teve um grande impacto na legislação italiana, na medida em que atribui responsabilidade direta às empresas por crimes de corrupção.

Modelos Organizacionais Efetivos: As empresas italianas foram incentivadas a implementar modelos organizacionais efetivos para prevenir a corrupção, resultando assim numa melhor governança organizacional.

O posicionamento de Portugal no Índice de Percepção da Corrupção, com uma pontuação de 62 em 100, e os resultados do Corruption & Fraud Survey da Deloitte, destacam uma consciência crescente e um escrutínio maior em relação a estas temáticas. Estes índices e relatórios são indicativos de uma perceção moderada de corrupção, mas também apontam para a necessidade de uma vigilância e reforma contínuas.

Ao analisar a posição de Portugal no combate à corrupção, especialmente em comparação com países como França, Reino Unido, Alemanha e Itália, é importante considerar tanto os índices e relatórios quanto as medidas legislativas específicas adotadas por cada país.

França (Lei Sapin II): A França tem uma abordagem mais abrangente, com a Lei Sapin II impondo programas de compliance e criando a Agence Française Anticorruption. A França ocupa a 22ª posição no Índice de Perceção da Corrupção, indicando um nível mais baixo de corrupção percebida em comparação com Portugal.

Reino Unido (UK Bribery Act): O Reino Unido, através do UK Bribery Act, impõe regras rigorosas contra suborno, aplicáveis tanto dentro quanto fora do país. O Reino Unido está na 11ª posição, refletindo uma perceção de corrupção ainda mais baixa.

Alemanha (Gesetz zur Bekämpfung der Korruption): A Alemanha adotou várias leis para combater a corrupção, focando na transparência e na responsabilidade corporativa. A Alemanha está na 9ª posição no índice, colocando-a entre os países com menor perceção de corrupção.

Itália (Legge 231): A Itália, com a Legge 231, introduziu responsabilidade direta das empresas por crimes de corrupção. A Itália está na 42ª posição, indicando um nível de corrupção percebida semelhante ou ligeiramente superior a Portugal.

Após esta abordagem verificamos que Portugal tem feito progressos legislativos importantes no combate à corrupção, mas ainda enfrenta desafios significativos em termos de perceção pública e eficácia na implementação das leis. Em comparação com países como França, Reino Unido, Alemanha e excecionalmente Itália, Portugal ainda tem um caminho a percorrer para alcançar os níveis mais baixos de perceção de corrupção. Grande parte destes países demonstraram através de suas legislações e posições nos índices que políticas mais robustas e uma aplicação rigorosa podem levar a uma melhor perceção pública e eficácia no combate à corrupção.

O progresso contínuo de Portugal dependerá da implementação efetiva das recentes reformas legislativas e de uma maior consciencialização e cultura de transparência em todos os setores da sociedade.

Apesar dos avanços, Portugal enfrenta desafios significativos. A perceção pública de corrupção, embora em declínio, ainda é um problema, e a eficácia das medidas de prevenção e combate requer monitorização e adaptação contínuas. A rápida transformação digital apresenta novos desafios e oportunidades na deteção e prevenção de fraudes, exigindo inovação constante nas estratégias de combate.

Na minha perspetiva, Portugal está a caminhar na direção correta, enfrentando os desafios de fraude e corrupção com uma abordagem proativa e legislativa. No entanto, é imperativo que o compromisso com a integridade e a transparência seja mantido, independentemente das mudanças políticas. A educação contínua sobre a importância da ética e a adesão a práticas transparentes devem ser priorizadas para reforçar uma cultura de rejeição à corrupção. Com dedicação e colaboração, Portugal pode continuar a fortalecer a sua posição como um país comprometido com a justiça, a integridade e o desenvolvimento sustentável.

Em suma, Portugal tem percorrido um caminho promissor no combate à fraude e corrupção. Os esforços legislativos e as iniciativas de sensibilização são passos positivos. Contudo, a jornada é contínua e requer um esforço de todos os setores da sociedade. A implementação efetiva das leis, a resposta às novas realidades tecnológicas e sociais, e a manutenção da transparência e integridade são essenciais para assegurar o progresso destas matérias.