Miguel Viegas, OBEGEF
Há muito que as alterações climáticas passaram a fazer parte do nosso quotidiano. Apesar do consenso científico que nos deveria impelir para decisões consistentes em defesa do nosso futuro coletivo, o mundo assistiu perplexo ao arrastar das negociações finais da COP28, nas quais acabaram por prevalecer os interesses das grandes corporações do petróleo. Para isso terá contribuído certamente o anfitrião da cimeira, ele próprio CEO de uma das maiores sociedades petrolíferas do mundo, bem como a presença de mais de 2000 lobistas …
Todos os relatórios oficiais sobre o clima, confirmam o agravamento da crise climática mundial. De acordo com o último relatório do IPCC[1] estamos muito próximo do ponto de não retorno fixado pelo relatório especial de 2018, no aumento de 1,5 graus Celsius até 2050. A manterem-se as atuais tendências, todos os efeitos terríveis associados ao aquecimento do planeta serão multiplicados por cinco. Perante este amplo consenso científico confirmado por sucessivos episódios climáticos extremos, alguns deles em regiões improváveis, acabou por ser a semântica a dominar as intensas negociações na COP28 gerando um acordo “possível” entre a sobrevivência do planeta tal como o conhecemos hoje e o lucro das grandes corporações que exploram as energias fósseis.
O passado mês de julho foi o mês mais quente de sempre à superfície da terra desde que há registos. A temperatura média atingiu os 16,95 graus Celsius, 1,5 graus mais alto do que a média dos meses de julho entre 1851 e 1900 (contas do programa Copérnico). Este aumento de temperatura deve-se à acumulação na atmosfera de dióxido de carbono (CO2) e de outros gases com efeito de estufa (metano, óxido de azoto, hidrofluorocarbonetos, entre outros). De acordo com o IPCC a concentração de CO2 na atmosfera ultrapassou o limiar das 400 ppm, considerado já crítico pela comunidade científica. Esta concentração atingiu 418 ppm em janeiro deste ano, quando os valores da era pré-industrial estão estimados em cerca de 250ppm.
A COP28 decorreu de 30 de novembro a 12 de dezembro de 2023 no Dubai, uma das petromonarquias totalitárias pertencentes aos Emirados Árabes Unidos, país que apresenta a segunda taxa de poluição mais elevada por habitante no mundo. A presidência da COP28 foi atribuída ao Sultão Al Jaber, CEO da Abu Dhabi National Oil Company, uma das maiores sociedades petrolíferas do mundo e cuja produção deverá duplicar até 2027. Perante a intensão anunciada de incluir o fim dos combustíveis fósseis na declaração final, consequência lógica, consequente e fundamentada cientificamente, foram mobilizados para esta conferência nada mais nada menos do que 2466 lobistas associados à indústria petrolífera e às energias fósseis (ver relatório da ONG FBPO), 177 destes acreditados apenas pelos Emirados Árabes Unidos. Para juntar mais uma camada de opacidade, olhemos para o papel de uma das maiores empresas de consultadoria mundiais, a McKinsey[2], que veio oferecer os seus serviços à COP28 de forma graciosa, enquanto presta serviços aos maiores poluidores mundiais (ExxonMobil, BP, Aramco, Gazprom, entre outras). Segundo a agência France-Press, a McKinsey redigiu recentemente um relatório sobre a transição climática que previa a redução em apenas 50% da produção de petróleo até 2050, mantendo concomitantemente milhares de milhões de investimentos em ativos com fortes emissões de carbono…
Sabemos hoje que as emissões de CO2 aumentaram 1,1% em 2023, e que 80% destas emissões têm origem na queima de combustíveis fósseis. Há mais de 30 anos que os cientistas tentam colocar a fim das energias fósseis nas agendas climáticas. As conclusões da CP28 falam em “transição para o abandono”, uma terminologia vaga, quando comparada com a proposta inicial que falava em “saída definitiva”. O gás é apresentado como energia de transição apesar de ser um combustível fóssil. Foram igualmente introduzidas referências a tecnologias de captura de carbono cuja efetividade está longe de confirmada, mas que ficaram como âncoras de salvação para a indústria do petróleo. Da mesma forma, a eliminação obrigatória e imediata dos subsídios à produção de combustíveis fósseis foi substituída por uma eliminação dos subsídios fósseis “ineficientes” e “tão brevemente quanto possível”. Ficam assim abertos todos os alçapões interpretativos!
A COP 28 mobilizou mais de 70 mil participantes. Mas esta aparente ampla participação poderá ser apenas a ponta de um iceberg que deixa submerso um outro nível de negociação onde as populações e o interesse coletivo não entram. Só assim se compreende o adiamento de medidas elementares há muito consensualizadas entre a comunidade científica. Nada nos faz acreditar que a próxima COP29, marcada para o Azerbaijão possa ser diferente, enquanto os interesses económicos valerem mais do que os interesses do planeta e das populações.
[1] Sigla, em inglês, de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, criado em 1998 pela Organização Meteorológica Mundial e pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
[2] A McKinsey emprega cerca de 33.000 funcionários, fatura US $ 10 milhares de milhões por ano e dá acessória a 147 das 200 maiores empresas mundiais para além de prestar serviços a governos e organismos reguladores.