Óscar Afonso, Expresso online

O agravamento das desigualdades territoriais e – de forma associada – sociais deveria fazer corar de vergonha qualquer dirigente socialista, que geralmente reclama para si o ‘monopólio’ da redução das desigualdades

novo líder do PS, Pedro Nuno Santos, tem-se manifestado profundamente orgulhoso do legado de António Costa, a que se propõe dar continuidade, o que não é de estranhar, dado que participou nos dois últimos governos socialistas e é, por isso mesmo, corresponsável pelo estado atual do País, que infelizmente é mau na generalidade dos domínios.

Uma das áreas em que Pedro Nuno Santos promete dar continuidade ao legado do PS é aquela a que se refere como “valorizar o território”, ou seja, “desenvolver o interior e os territórios de baixa densidade”, segundo o seu discurso de anúncio de candidatura à liderança do PS.

Pedro Nuno Santos desempenhou funções governativas como Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, entre novembro de 2015 e fevereiro de 2019, e depois como Ministro das Infraestruturas e da Habitação, até janeiro de 2023. Esteve, portanto, quase quatro anos com a pasta da Habitação, a par com a das Infraestruturas, essenciais para desenvolver o território, já depois de nos quatro anos anteriores, com a área dos assuntos parlamentares, ter tido tempo para perceber e se envolver na resolução dos problemas do País, incluindo nas questões territoriais.

A coesão territorial e – de forma associada – social e é um dos mais importantes objetivos das políticas públicas, nomeadamente da política económica. Penso que disso ninguém tem dúvidas, em particular num país com tantas desigualdades entre regiões como Portugal, apesar da coesão territorial ser uma das “incumbências prioritárias do Estado”, nos termos do art.º 81, alínea d), da constituição.

Vejamos então que herança recebeu o País, no que se refere à evolução da coesão territorial, após oito anos de governação socialista de António Costa e Pedro Nuno Santos, usando os dados recentemente divulgados pelo INE das contas regionais até 2022.

Comecemos pelas sete regiões NUTS II de Portugal, as cinco do continente (Norte, Centro, Alentejo, Algarve e Área Metropolitana de Lisboa) e as duas regiões autónomas (Açores e Madeira).

Uma das variáveis mais importantes para avaliar a coesão territorial é o nível de vida relativo, aferido pelo PIB per capita em paridade de poderes de compra em comparação com uma área de referência – a União Europeia (EU) ou Portugal, no caso das nossas regiões.

Para medir a convergência ou divergência entre as regiões, uma das formas mais simples é analisar a evolução do coeficiente de variação (o rácio entre o desvio padrão e a média de um conjunto de dados), que mede a dispersão relativa das observações em torno da média.

Entre 2015 (o primeiro ano dos governos socialistas de António Costa) e 2022 (o último ano com dados do INE), o coeficiente de variação do nível de vida relativo regional face à UE ou face à média nacional (é indiferente) baixou marginalmente, de 16,9% para 16,6%, o que indica uma convergência pouco significativa de nível de vida entre as regiões NUTS II. O problema é que essa diminuta convergência apenas ocorreu devido à redução da vantagem de nível de vida relativo da Área Metropolitana de Lisboa (AML) – de 103,2% para 101,9% da UE e de 132,5% para 129,5% da média nacional –, pois, excluindo essa região, o indicador aumentou bastante, de 7,5% para 11,5%.

Ou seja, excluindo a AML, as desigualdades territoriais em nível de vida agravaram-se bastante.

A mesma conclusão se retira usando antes o coeficiente de correlação entre o nível de vida relativo em 2015 e a taxa de crescimento desse indicador entre 2015 e 2022, que com todas as regiões é de -0,12 – uma correlação negativa desprezível que sinaliza uma convergência apenas marginal, motivada pelo facto de o nível de vida das regiões mais ricas ter crescido relativamente menos – e sem a AML passa para 0,72, traduzindo uma correlação forte.

Ou seja, excluindo a AML, as regiões que eram relativamente pobres antes dos governos de António Costa acentuaram esse empobrecimento relativo, enquanto as regiões mais ricas se tornaram mais ricas. Além disso, a AML perdeu parte da vantagem de nível de vida face à UE.

Usando o mesmo indicador, é também de assinalar que a ligeira correlação negativa entre o nível de vida relativo em 2015 e o crescimento do emprego até 2022 (-0,02) se transforma numa forte correlação positiva ao remover a AML (0,82). Ou seja, excluindo a AML, as regiões mais pobres à partida tiveram uma menor progressão do emprego em termos relativos (e vice-versa), além de uma menor subida do nível de vida relativo, como já tínhamos visto.

Usando dados mais finos das 25 sub-regiões NUTS III, os resultados são bastante semelhantes aos acima descritos para as regiões NUTS II, traduzindo uma divergência generalizada em termos de nível de vida entre os vários territórios e uma concentração do crescimento do emprego naqueles que já eram mais ricos à partida, excluindo-se da análise a AML, que encurtou vantagem de nível de vida no contexto da UE, o que também é desfavorável.

Os dados mais finos das NUTS III permitem focar a análise nas 13 sub-regiões do interior de Portugal continental, que passaram de um nível de vida de apenas 78,9% da média nacional em 2015, para 77,7% em 2022, confirmando que o interior empobreceu com os governos socialistas de António Costa. Nele se inserem as duas regiões NUTS III mais pobres do País, o Tâmega e Sousa e o Alto Tâmega, cujo nível de vida relativo piorou ainda mais, de 62,1% e 63,5% da média em 2015, respetivamente, para 61,8% e 63,0% em 2022.

Estes resultados não deveriam deixar nenhum governante satisfeito, mas aparentemente são resultados que orgulham tanto António Costa como Pedro Nuno Santos, que tanto exalta o legado.

O agravamento das desigualdades territoriais e – de forma associada – sociais deveria fazer corar de vergonha qualquer dirigente socialista, que geralmente reclama para si o ‘monopólio’ da redução das desigualdades.

O que a prática dos últimos oitos anos de governação socialista demonstra é que políticas públicas meramente ‘assistencialistas’ e redistributivas, visando unicamente assegurar a próxima eleição, sem qualquer preocupação em elevar o potencial de crescimento económico – por ausência de reformas estruturais nesse sentido, uma opção sempre assumida por António Costa, que sempre manifestou uma clara antipatia pela palavra ‘reformas’ –, acabou por gerar mais desigualdades territoriais por incapacidade de geração de uma base económica forte e suficientemente homogénea no território.

O caso da não cobrança de impostos sobre a venda das barragens do Douro pela EDP – privando os municípios da muito substancial receita de impostos associada, nomeadamente de IMI, IMT e Imposto do Selo, que permitiria desenvolver os respetivos territórios, entre os mais pobres do País – é um exemplo paradigmático da falta de respeito e de empenho dos governos socialistas de António Costa para com as regiões menos desenvolvidas do interior, uma verdadeira provocação impeditiva do desenvolvimento mais harmonioso do território nacional e do seu tecido económico e social.