António João Maia, Expresso online

Este sábado, 9 de dezembro, assinala-se o dia internacional contra a corrupção. A data ficou associada à assinatura da Convenção da ONU contra a corrupção, que ocorreu em Mérida, no México, há 20 anos (em 2003), e que Portugal adotou formalmente em 2007.

De então para cá, e sobretudo porque o problema da corrupção tem vindo a adquirir uma centralidade crescente no âmbito das agendas, debates e discursos políticos e sociais um pouco por todo o mundo – sobretudo pela sucessão de casos de suspeição fortemente mediatizados – têm-se multiplicado as recomendações de entidades internacionais, publicas e da sociedade civil (como por exemplo da própria ONU, do Conselho da Europa, da OCDE, do Banco Mundial, da Transparência Internacional, entre outras), no sentido de os Estados adotarem medidas mais eficazes para o seu controlo, prevenção e punição.

A questão da corrupção no nosso país tem percorrido um caminho em tudo idêntico. Uma crescente sucessão de suspeitas fortemente mediatizadas (a grande maioria delas associadas ao exercício de funções políticas), a alimentar o debate público e político (mais emocional, aceso e interesseiro do que o desejável, e menos racional, objetivo e clarividente do que o necessário e recomendável), e a levar à adoção de medidas de cuidado e controlo sobre o problema, muitas delas decorrentes da transposição de diretivas e recomendações de entidades internacionais, como as que se indicaram anteriormente.

As medidas mais recentemente adotadas entre nós têm cerca de 2 anos e consubstanciam-se do Regime Geral de Prevenção a Corrupção (RGPC) e no Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações (RGPDI).

No âmbito destas medidas cabe destacar a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), que veio substituir o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC), e o estabelecimento da obrigatoriedade de adoção, por todas as entidades (públicas e privadas) com 50 ou mais trabalhadores, de um conjunto de medidas e instrumentos de promoção de culturas organizacionais de integridade, de prevenção de riscos e de despiste de ocorrências de fraude e corrupção subsistentes. Recordamos de seguida essas medidas e instrumentos, relativamente às quais o MENAC divulgou recentemente um Guia de apoio à sua elaboração, dinamização e dinamização:

- Código de Conduta, que deve identificar a um conjunto de valores ou princípios éticos e de indicações de expectativas de conduta a adotar por todos os que exercem funções na organização;

- Plano de Prevenção de Riscos, que deve identificar, de modo sistemático, os principais riscos associados às funções realizadas em cada departamento ou unidade orgânica da organização, e, correlativamente, as medidas realistas e exequíveis consideradas adequadas para a sua prevenção eficaz;

- Canal de Denúncia Interna, que, com cuidados legais muito específicos quanto à proteção do denunciante, dos denunciados e de terceiros, bem como quanto à matéria objeto da denúncia, deve permitir despistar ocorrências de fraude e corrupção que subsistam no seio da organização, e que, de outro modo, provavelmente não suscitariam qualquer suspeição e, por isso, não seriam objeto de nenhuma investigação, nem, muito menos, de qualquer punição;

- Programa de Formação e Comunicação para a integridade, para divulgar internamente e envolver todos os trabalhadores quanto ao conhecimento dos propósitos e cumprimento dos conteúdos das medidas e instrumentos do RGPC, ou seja, para reforçar o sentido de responsabilização de todos quanto ao cumprimento dos seus deveres de integridade;

- Responsável pelo Cumprimento Normativo, para garantir o cumprimento adequado das medidas previstas em cada um dos instrumentos do RGPC e para promover a sua articulação e atualização adequada.

Deste conjunto de medidas e instrumentos, cremos que o que possa suscitar mais reservas, desconfiança e incómodo na sua adoção plena possa ser o Canal de Denúncia Interna, como vimos anteriormente em Canais de denúncia nas organizações - instrumento de prevenção da corrupção, ou o regresso dos "bufos"?.

No sentido de procurar contribuir para desmistificar uma certa aversão que possa instalar-se quanto a esta ferramenta (que em si mesma é potencialmente muito importante no contexto dos instrumentos do RGPC, nomeadamente como forma de desocultação da fraude e corrupção e outros problemas na organização), o Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF) convidou um conjunto de onze profissionais que, de algum modo, operam ou operaram canais de denúncias em entidades públicas e privadas, no sentido de partilharem os seus testemunhos, sobre essas experiências relevantes, com todos os que, de algum modo, se interessem pela temática, mas sobretudo para aqueles que tenham de dinamizar e acompanhar um Canal de Denúncia Interna numa organização.

Os testemunhos estão organizados segundo duas linhas de abordagem: enquadramento, modelação e cuidados na operacionalização de um Canal de Denúncia Interna, e; sua função, potencial de apoio às investigações e às ações de auditoria interna, bem como contributo para a promoção da transparência e da integridade na própria organização.

Os textos correspondentes a essas reflexões encontram-se compilados na obra Canais de denúncia nas organizações - perspetivas pragmáticas, que será apresentada publicamente no âmbito da 2ª edição da semana da transparência, promovida pela Câmara Municipal de Lisboa.