Mário Tavares da Silva, Expresso online

No exigente quadro de uma boa e tempestiva aplicação, em curso, dos fundos europeus, mecanismos como o KYC ou procedimentos de controlo, monitorização e avaliação do risco associados a PEP,podem revelar-se de grande utilidade e eficácia no combate ao branqueamento de capitais, mitigando a ocorrência de inconformidades e, com isso, criando condições de transparência numa efetiva e regular aplicação dos fundos, desse modo evitando quer as indesejadas recuperações de montantes quer o risco reputacional que por regra a elas vem associado

O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI) define uma pessoa politicamente exposta (politically exposed persons ou PEP na versão inglesa) como todo o indivíduo a quem é ou foi confiada uma função pública proeminente e que não seja um funcionário de nível médio ou inferior.

Uma consequência desta posição e influência é a suscetibilidade de ocorrência de riscos financeiros específicos, atenta a circunstância dessas pessoas poderem, potencialmente, servindo-se precisamente dessa posição e influência, desenvolver práticas abusivas no exercício das suas funções, cometendo, por exemplo, crimes de branqueamento de capitais e crimes subjacentes, incluindo os de corrupção, tráfico de influências e até mesmo de financiamento ao terrorismo.

Nesta medida, e com intensidades de geometria variável, as entidades financeiras, não financeiras e equiparadas estão obrigadas a proceder à adoção e à implementação de medidas específicas que se possam revelar adequadas a garantir uma maior eficácia na deteção de usos indevidos e criminosos do sistema financeiro.

No plano nacional, a Lei 83/2017 de 18 de agosto assume, incontornavelmente, um papel relevante, estabelecendo medidas de natureza preventiva e repressiva no combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, prevendo como PEP as pessoas singulares que desempenham, ou desempenharam nos últimos 12 meses, em qualquer país ou jurisdição, funções públicas proeminentes de nível superior, nelas se incluído, por exemplo, as funções de Chefe de Estado, chefes de Governo e membros do Governo, designadamente ministros, secretários de Estado ou equiparados, deputados, membros do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal de Contas, Conselheiros de Estado, bem como membros de órgãos de administração e de fiscalização de entidades pertencentes ao setor público empresarial.

Com tantas PEP a gravitar, inter alia, na nossa vida social, política e económica e judiciária, a sua rigorosa identificação e mapeamento assume elevada criticidade e, bem assim, a determinação do risco associada a cada um deles.

A ideia é simples e de linearidade facilmente compreensível, pois a um maior nível de ameaças oriundas de PEP de alto risco, se deverá responder com níveis de diligência reforçada ao passo que para responder a ameaças de baixo nível, poderá ser suficiente responder com atuação e diligência simplificadas.

O desejável será então que as referidas entidades obrigadas, implementem apropriados sistemas de gestão de risco e adotem medidas proativas suscetíveis de contribuir para determinar, de modo rigoroso, se um cliente ou o beneficiário efetivo de um cliente é um PEP estrangeiro. Naturalmente que esse sistema dependerá, em primeira linha, por exemplo, da própria natureza do negócio da instituição, do perfil dos clientes e da natureza e perfil das transações identificadas ou pretendidas concretizar.

Não é aliás por acaso que as PEP estrangeiras se apresentam, numa grande percentagem de casos, como PEP de alto risco, a exigir por parte das instituições a aplicação de medidas de diligência reforçada, como sucede, por exemplo, com a decisão institucional de aceitar um cliente de alto risco ou de com ele persistir na continuidade da relação comercial, decisão a ser tomada ao nível da gestão de topo das entidades obrigadas.

É neste enquadramento que se reputa essencial que as instituições procedam a uma efetiva recolha de informações concretas sobre as PEP estrangeiras, avaliando a relação comercial que elas pretendem desenvolver e, sobretudo, com maior criticidade e nível de risco associado, as motivações que estarão na base das transações relevantes a efetuar ou já efetuadas.

A este propósito terá igualmente de se ter presente que o cartão de visita das PEP, de natureza eminentemente declaratória e auto identificativa nem sempre será confiável, dado o risco dessas PEP fornecerem informações falsas, com o escopo principal de evitar, precisamente, a sujeição a medidas de diligência reforçada. Esta circunstância justifica, por si só, a relevância que o cumprimento do dever de identificar o cliente (“KYC”) e de proceder a um conjunto de diligências consoante a informação obtida e o risco de branqueamento de capitais envolvido, assume no quadro de um eficaz combate ao branqueamento de capitais.

Já no que respeita às PEP nacionais, a abordagem é numa fase inicial mais simplificada, sendo que de acordo com o GAFI, as instituições se encontram obrigadas a tomar medidas razoáveis para determinar se um cliente ou beneficiário efetivo constitui uma PEP, devendo nesse contexto ser promovida uma adequada avaliação que considere, entre outros, os fatores de risco associados ao cliente, ao país, aos produtos e às pretendidas transações de serviços ou canais de entrega.

No complexo, intrincado e por vezes opaco ecossistema em que as PEP se movimentam, as instituições que com eles lidam, poderão tomar em consideração indicadores de menor risco, tais como os que se relacionam com a natureza dos produtos e serviços a que as PEP pretendem aceder e que a instituição, por exemplo, avalia como possuindo um baixo risco de branqueamento de capitais, indicadores geográficos se, por exemplo, a função das PEP se insere numa jurisdição de baixos níveis de corrupção, com uma forte vinculação da rule of law, instituições públicas sólidas e eticamente robustas ou a existência de um poder judicial independente, de uma imprensa livre ou mesmo de uma opinião pública esclarecida e, finalmente, indicadores pessoais, ligando, por exemplo, o menor nível de risco da PEP à natureza não executiva das funções e responsabilidades que exerce.

Ao invés, podem constituir indicadores de maior risco, o facto das PEP exercerem as suas funções ou tiveram conexão, direta ou indireta, com maior ou menor intensidade, com jurisdições ou países de alto risco, com elevados níveis de corrupção, controlos débeis e ineficazes contra atividades de branqueamento de capitais ou mesmo uma maior criminalidade organizada enraizada. Também aqui, será relevante considerar como indicador de maior risco a pretensão da PEP pretender aceder ou comercializar um produto cujo perfil a instituição avaliou como detendo alto risco. Nesta constelação de indicadores de maior risco, devemos ainda não ignorar os indicadores que se conexionem com o estilo de vida pessoal da PEP, em particular se o mesmo se revelar inconsistente ou não justificável face àquelas que são as suas conhecidas e declaradas fontes legais de riqueza ou rendimento.

Naturalmente que toda esta avaliação deve ainda ser reforçada e robustecida por um adequado enquadramento e avaliação dos sinais de alerta associados aos próprios familiares das PEP e/ou de pessoas reconhecidas como lhes estando estreitamente associadas, nomeadamente se se percecionarem situações de favorecimento em procedimentos pré-contratuais, obtenção de decisões favoráveis em determinados procedimentos de licenciamento da mais variada natureza, como por exemplo, ambiental e urbanístico, as indicações e nomeações para o exercício de cargos públicos, incluindo cargos políticos em funções de elevado poder de decisão e de exercício de proeminente influência.

No exigente quadro de uma boa e tempestiva aplicação, em curso, dos fundos europeus, mecanismos como o KYC ou procedimentos de controlo, monitorização e avaliação do risco associados a PEP, podem revelar-se de grande utilidade e eficácia no combate ao branqueamento de capitais, mitigando a ocorrência de inconformidades e, com isso, criando condições de transparência numa efetiva e regular aplicação dos fundos, desse modo evitando quer as indesejadas recuperações de montantes quer o risco reputacional que por regra a elas vem associado.