Manuel Ferreira Ramos, Jornal i online

Impedir a transmissão (das reuniões de órgãos municipais), não sabendo sopesar os interesses em conflito, é um mau serviço à transparência e à participação cívica

Em Coimbra existe uma rua projectada há mais de 70 anos que só agora se irá (ainda não está concluída!) concluir e que esteve na origem da denominação de uma zona - o Bota-Abaixo.

As dezenas de anos que levamos para a escolha da localização do aeroporto ou as também já dezenas de anos para um novo olhar para projectos centrais de desenvolvimento (como é o caso de Sines), matérias que hoje readquiriram nova dimensão por motivos conhecidos, faz-nos reflectir se estamos a ficar achinesados nesta serenidade com que se olha o passar do tempo…

Mas não nos iludamos!

Nesta parte do mundo, com excepção, diz-se, de algumas alas do Vaticano, não existe ‘paciência de chinês’.

Quando demoramos muito tempo a decidir e a executar, ou é manifesta incompetência, ou é pactuar com interesses obscuros ou, pior ainda, ambos.

Vejamos a questão do Building Information Modelling (BIM).

Em termos simples é um sistema de projectar construção.

Novo? Não, já tem também alguns largos anos. Tantos que há quem diga que começa a ficar anquilosado. E é, pasme-se, obrigatório há muito tempo em alguns países nossos vizinhos, nomeadamente no sector público, havendo a firme convicção de que contribui para a transparência.

Tudo isto está dito e está escrito mas só agora, com o Plano Mais Habitação, pela primeira vez apareceu a referência ao BIM num texto legal…”determinar  obrigatoriedade … de se apresentar o projecto de arquitectura e os projectos de especialidade modulados digital e parametricamente e coordenados de acordo com a metodologia BIM”.

Mas só para 2025.

E é isto que não se percebe.

Porquê tanto tempo? Porquê tanta demora? Porquê tanto imobilismo?

Outro motivo de incompreensão é a posição da Comissão Nacional de Protecção de Dados relativamente, por exemplo, à transmissão de reuniões de órgãos municipais.

Impedir a transmissão, não sabendo sopesar os interesses em conflito, é um mau serviço à transparência e à participação cívica.

Apelar à transparência, à administração aberta, aos dados abertos, à participação política, por um lado e escamotear informação, apagar, utilizar corrector, provocar situações como as que ocorreram com o Portal Base aumenta um fosso de desconfiança popular inimaginável e obriga-nos a regressar à blague do Professor Marcelo no Gato Fedorento agora readaptado:

É para se ser mais transparente? É!

Mas podemos revelar quem decidiu e quem assinou? Não!

Devemos saber quem elegemos e o que faz e diz? Sim

Mas podemos permitir o acesso com as novas tecnologias? Não!

Perceber o que são dados funcionais e dados pessoais pode ser importante.

Não ser fundamentalista, ter capacidade de ponderação, defender equilíbrios, decidir corajosamente e apontar caminhos e assumir que entre a Assembleia da República e as Assembleias Municipais não há, no que tange a esta matéria especificamente, transmissão das assembleias on line, qualquer diferença substancial é uma exigência.

Reler Byung-Chui Han e, através dele, Bentham também é, crê-se, uma boa sugestão para esse tal equilíbrio e para ter sempre presente as duas faces da moeda ou as múltiplas do poliedro.