Rute Serra, Expresso online
Agir com integridade não significa apenas abster-se de praticar atos corruptivos. Importa um pacto individual moral que está para além do cumprimento normativo, fundado num sistema de valores concretizados na ação diária, e exigível por todos a todos, enquanto vivermos em sociedade dita civilizada
Esta semana (dia 31 de outubro) a Convenção contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas fez vinte anos.
Este relevante instrumento multilateral regulador das medidas de prevenção, mas também de repressão, da corrupção, foi ratificado pelo Estado Português em 2007.
Radicando no fundamento generalizado das ameaças que a corrupção coloca à estabilidade e à segurança das sociedades, na medida em que mina as instituições e os valores éticos e democráticos, comprometendo o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito, a Convenção divide-se em quatro partes, sendo a primeira dedicada à prevenção da ocorrência de fenómenos de natureza corruptiva.
Neste primeiro pilar estrutural, dirigem-se recomendações (nalguns casos vinculativas com efeito indireto coercivo) aos setores público mas também privado, espelhadas entre nós, não todas, mas talvez as fundamentais, na criação de entidades anticorrupção, na adoção de códigos de conduta dirigidos em especial aos trabalhadores públicos, na promoção da transparência em áreas particularmente críticas como sejam a contratação pública e o sistema judicial e na convocação das entidades da sociedade civil, reconhecendo o seu relevante papel no fomento da consciencialização pública para a gravidade da corrupção.
Em Portugal, este caminho vai-se trilhando com os solavancos que a revisão ao país, sobre a implementação integral da Convenção, vem apontando. A prevenção da corrupção é uma never ending story semelhante à que se destine a qualquer outro tipo de crime. Se concordamos que o ideal seria atingirmos uma sociedade livre de crimes, sabemos, porém, que esse objetivo é utópico restando-nos, portanto, conceber e aplicar medidas preventivas gerais e especiais que permitam a sua mitigação o mais eficazmente possível.
Para além da regulação legislativa exigida pela Convenção aos Estados Partes, concretizada em instrumentos de compliance, é na integração de fatores intra e interorganizacionais que tem razão a verdadeira prevenção da corrupção.
Se as lideranças não forem capazes de alinhar as suas culturas organizacionais com a estratégia definida, capacitando mediante o exemplo (crendo que o que fazem é o que está certo, para além do que estão obrigadas a fazer) e demonstrando esse verdadeiro comprometimento com a promoção de uma cultura responsável que conhece as suas obrigações legais, mas, mais importante, reconhece a sua utilidade, inquinaremos definitivamente as melhores intenções regulatórias.
Podemos não conseguir constância, mas devemos almejar consistência, nas decisões tomadas.
Por outro lado, se as organizações (leia-se, as pessoas que as compõem) não identificarem intenções e ações efetivas que conciliem os governos, a sociedade civil e os cidadãos em torno do desígnio comum que deve ser a prevenção da corrupção, a não ser que queiram vestir o adereço de D. Quixote (sugestão de Halloween), não encontrarão a real motivação que deve presidir ao conceito da prevenção.
Porque agir com integridade, não significa apenas abster-se de praticar atos corruptivos. Importa um pacto individual moral que está para além do cumprimento normativo, fundado num sistema de valores concretizados na ação diária, e exigível por todos a todos, enquanto vivermos em sociedade dita civilizada.