Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Como tenho referido neste mesmo espaço, o potencial de crescimento da Economia portuguesa é significativamente inferior ao da média da União Europeia (UE).
Há várias maneiras de medir o crescimento potencial e uma delas, talvez a mais fácil, acessível e compreensível, é ver o crescimento tendencial, ou seja, a dinâmica de crescimento económico num período relativamente alargado, que é o que deve ser considerado quando se analisa o fenómeno do crescimento económico.
Desde o início do milénio (entre 1999 e 2022), a economia portuguesa cresceu a um ritmo médio anual de apenas 0,9% (variação em volume), significativamente abaixo dos 1,5% da UE e, sobretudo, das designadas economias de Leste, algumas com subidas na ordem dos 4% ao ano, já para não falar da Irlanda, cuja dinâmica foi ainda superior (5,6%). Com essas taxas, Portugal leva 77 anos para duplicar o PIB, enquanto a UE atinge essa marca em 46 anos, partindo de um patamar significativamente mais elevado. Por outro lado, algumas economias do Leste Europeu dobram os respetivos PIB em apenas 17 anos, e a Irlanda consegue duplicar o PIB em apenas 12 anos, partindo de um nível de PIB também substancialmente superior.
Numa imagem mais fácil de perceber, tenho referido que esta diferença de andamento corresponde a Portugal ter uma economia com a potência de um Fiat 500, que compara com a potência do Mercedes classe C no que se refere à economia da UE - ou um carro de gama ainda superior no caso das economias mais dinâmicas da UE.
Não é, por isso, de espantar que Portugal tenha sido ultrapassado em nível de vida por muitas das economias de Leste - passando da 15.ª posição, no início do milénio, para a 21.ª posição, em 2022, a sétima pior, já muito perto da cauda da UE. As economias de Leste que, note-se, estão muito menos endividadas do que a economia portuguesa e receberam muito menos fundos europeus, porque entraram muito mais tarde na UE.
Ou seja, com muito menos recursos - menor endividamento e menos fundos europeus -, os governos das economias de Leste têm sabido geri-los muito melhor para convergir rapidamente com o padrão de vida médio europeu, porque sabem que um baixo nível de vida se reflete em:
. menor rendimento das famílias no final do mês face ao nível de preços do respetivo país;
. emigração de jovens qualificados;
. menos receitas públicas para financiar o Estado social, exigindo um aumento permanente da carga fiscal face ao PIB para financiar a despesa com o Estado social, que se não for aplicada de forma eficiente, levará à degradação dos serviços públicos - saúde, educação, justiça, entre outros -, como infelizmente se verifica em Portugal.
Nos últimos dois anos, a economia portuguesa tem beneficiado do turismo, favorecido pela retoma do setor com o fim da pandemia e com a imagem de um país bonito e seguro, longe da guerra na Ucrânia. A imagem que dei é a de que o Fiat 500 apanhou uma "descida" (o turismo) e ultrapassou momentaneamente o Mercedes classe C que ia naturalmente à frente, mas teve um furo (maior sensibilidade à guerra na Ucrânia).
Curioso, no entanto, é o facto de que, mesmo durante a performance do nosso Fiat 500 na "descida", o nível de vida não melhorou porque o benefício do turismo foi desviado a favor do Estado (mais impostos e menos investimento público) contra as famílias e as empresas (menos rendimento e piores serviços públicos).
Disse também que, face à potência dos motores, depois da "descida", o nosso Fiat 500 voltaria naturalmente a ficar para trás. Os dados mais recentes das contas nacionais já começaram a revelar que o embalo da "descida", que beneficiou o nosso Fiat 500, parece tender para o fim, pelo que rapidamente o Mercedes estará outra vez à frente.
Nos dados divulgados há poucos dias pelo INE e pelo Eurostat, ainda provisórios, o PIB português diminuiu 0,2% no terceiro trimestre face ao anterior (variação em volume), enquanto na UE se verificou uma subida de 0,1%, evidenciando a dinâmica mais recente.
Naturalmente, a subida homóloga do nosso PIB é ainda superior (1,9% face a 0,1% na UE) devido ao efeito da dinâmica passada, mas o abrandamento foi bem maior (0,7 pontos percentuais, p.p., de 2,6% para 1,9%; que compara com menos 0,3 p.p. na UE, de 0,4% para 0,1%).
Não havendo ainda dados quantificados das componentes de despesa do PIB, o INE apresenta uma descrição qualitativa das rubricas que mais contribuíram para as dinâmicas recentes. Assim, a queda trimestral de 0,2% do PIB resultou da redução do "contributo da procura externa líquida para a taxa de variação em cadeia do PIB", que "passou a negativo (...), refletindo a redução das exportações quer de bens, quer de serviços, incluindo o turismo". Essa evolução mais do que compensou a melhoria do "contributo da procura interna", que "passou de negativo a positivo no 3º trimestre, observando-se aumentos do consumo privado e do investimento".
Por outras palavras, o INE refere que o turismo já contribuiu negativamente para a dinâmica económica no terceiro trimestre, o que também já era evidente pela perda de dinamismo dos dados das dormidas de estrangeiros, até porque as dos portugueses já vinham a ser penalizadas pela deterioração das condições vida, em face da subida das taxas de juro e a perda acumulada de poder de compra, devido aos elevados valores de inflação passada. De notar que a queda trimestral do PIB já incorpora um ajustamento de sazonalidade, tal como o referido contributo negativo do turismo para o andamento da economia no 3.º trimestre, pelo que as conhecidas oscilações sazonais desse setor já foram descontadas nesse cálculo.
Agora, que parece ter passado o grande impulso recente do turismo, deixo a seguinte reflexão.
O aumento da nossa dependência do setor do turismo no período mais recente traz problemas a prazo, como já tenho vindo a referir, dado estar muito sujeito a fortes oscilações da procura internacional e, em particular, por se tratar de um setor de baixa produtividade, até porque Portugal está situado sobretudo num segmento de turismo de massa, competindo com preços relativamente baixos face a concorrentes diretos, embora haja exceções em alguns segmentos.
Por isso, para aumentarmos a potência do nosso "motor" económico, é preciso criar condições de diversificação da economia para setores mais intensivos em tecnologia e conhecimento, procurando ao mesmo tempo fazer evoluir o turismo para que se torne um setor mais qualificado e de maior produtividade - atuando em gamas mais altas e novos mercados, que permitam reduzir a sazonalidade e baixar o risco de oscilações da procura -, o que também libertaria recursos humanos para atividades de maior valor acrescentado como as referidas.
Essa é uma aposta crucial que já deveria ter sido feita, mas que continua adiada porque exige reformas estruturais - as tais a que o Primeiro-ministro se diz avesso e não faz, como se comprova -, para onde deveriam ser canalizados maioritariamente os recursos dos fundos europeus. Só desse modo é possível aumentar a "potência do motor", trocando o nosso já desgastado Fiat 500 por um automóvel mais robusto e mais próximo do Mercedes da UE.
Proximamente, retornando a uma análise conjuntural da economia, a situação irá complicar-se.
Em outubro, o FMI reduziu a sua projeção de crescimento do PIB mundial para apenas 3,0%, em 2023, e 2,9%, em 2024, bem abaixo do crescimento tendencial de 3,8% desde o início do milénio, mas essas projeções já serão otimistas. Isto porque, pouco depois, o ataque do Hamas a Israel, mais a pronta resposta de Israel e o risco de alastramento do conflito ao Médio Oriente, fizeram subir o preço do petróleo, o que pode ser um rastilho para o ressurgimento da inflação, taxas de juro mais altas ou altas durante mais tempo, bem como menor crescimento económico. Como se já não bastasse o conflito na Ucrânia, a situação do Médio Oriente vem adensar ainda mais a complexidade e fragmentação geopolítica e geoeconómica em curso, agravando a incerteza e os riscos para a atividade económica (descendentes) e a inflação (ascendentes).
A nível interno, a evolução do consumo privado - que pesa quase dois terços do PIB - poderá vir a deteriorar-se. Segundo o INE, o "indicador de confiança dos Consumidores diminuiu entre agosto e outubro", sendo ainda de realçar que as perspetivas dos consumidores sobre a evolução dos preços dispararam para o valor mais alto desde fevereiro, pelo que há um risco de ressurgimento da inflação, depois de recuar para 2,1% em outubro, um mínimo de dois anos.
No mesmo inquérito do INE, "os indicadores de confiança diminuíram na Indústria Transformadora, na Construção e Obras Públicas e nos Serviços, tendo [apenas] aumentado no Comércio". Em reflexo, o indicador de clima do INE recuou para 0,8% - apontando para um novo abrandamento homólogo do PIB, que subiu 1,9% no 3º trimestre -, o mínimo desde abril de 2021.
Concluo que tanto a evolução passada como as perspetivas de curto, médio e longo prazo da nossa economia não são propriamente boas, após os dados aqui apresentados.
Quem ouvisse o Governo no debate do Orçamento do Estado de 2024, pensaria que estamos noutro país que não o país real dos portugueses, que os números e análise acima evidenciam.
Se o Governo não consegue acertar no diagnóstico da economia e dos problemas que afetam os portugueses, como podemos esperar que o Orçamento do Estado de 2024 melhore a nossa vida?
O que sabemos é que a carga fiscal será ainda maior e a despesa pública também, ficando perto de representar metade do PIB nacional, o que é uma enormidade e significa que o Estado quer estar cada vez mais presente na vida dos portugueses sem lhes resolver os problemas, asfixiando a iniciativa privada que os poderia solucionar mais eficientemente, com um custo bem menor.
Em suma, com um motor fraquinho, uma dívida enorme e a incapacidade básica de quem nos governa para realizar reformas estruturais, a manutenção do Estado social requer que o peso da remuneração dos fatores geradores de riqueza vá encolhendo em favor dos impostos e contribuições, ao contrário da UE, ajudando também a explicar a nossa menor produtividade e o nosso menor crescimento económico, pois é preciso primeiro gerar riqueza antes de a repartir.