Nuno Magina, Jornal i online
A racionalização da fraude num ato desportivo tem algo de pernicioso. A ética coletiva enquanto sociedade não pode ter duas faces
O ato de corrupção está intrinsecamente associado a uma vantagem económica indevida, uma presunção que encaixa perfeitamente naquilo que se define como: ‘o abuso de poder confiado a alguém para obtenção de ganho privado’ (Transparency International). Mas o que dizer do ganho privado na corrupção envolvendo atos desportivos? No mínimo, bastante discutível.
O desporto arrasta multidões em busca da adrenalina de vencer. O futebol é um dos expoentes máximos desse sentimento. Gritos, suor e lágrimas fazem do clubismo um sentimento de pertença sem igual. Talvez isso ajude a compreender que o fenómeno da corrupção no futebol seja tão frequente e, pior que isso, aceite com normalidade pela sociedade.
Escândalos como o do FC Barcelona, que está acusado de ter pago entre 2001 e 2018 quase 8 milhões de euros a árbitros, não criam a mesma revolta como casos políticos para benefícios de alguns. O exemplo do FC Barcelona, como tantos outros muito idênticos, como o do Olympique de Marseille na década de 90, o caso ‘Calciopoli’ na Série A italiana, ou mesmo o ‘Apito Dourado’ em Portugal, têm algo em comum. Em última instância, os beneficiados foram todos os adeptos dos clubes envolvidos, que viram as suas equipas ganharem - um benefício emocional, mas mesmo assim um benefício. Essas vitórias despoletaram, contudo, a mesma alegria e adrenalina como quaisquer outras conquistadas de forma justa.
Talvez vez isso ajude a explicar a complacência para com os dirigentes desportivos acusados de tal delito. Os sócios-adeptos continuam a elegê-los com distinção, como se os atos de corrupção em nome do bem comum fossem mais do que justificáveis. Existirão decerto vantagens económicas para os clubes e dirigentes envolvidos, mas à luz do ambiente clubístico, não será essa a razão primordial para desvirtuar um jogo de futebol.
A racionalização da fraude num ato desportivo tem algo de pernicioso. A ética coletiva enquanto sociedade não pode ter duas faces. Na realidade, é um paradoxo estranho, já que a aceitação coletiva da fraude desportiva, torna mais fácil para muitos racionalizarem o seu ganho privado num qualquer ato de corrupção. Se um dirigente de futebol é idolatrado mesmo tendo subornado um árbitro, por que razão um empresário ou um político não poderão racionalizar e desculpar um qualquer ato de corrupção para benefício próprio?