António João Maia, Expresso online

Os interesses da organização são sempre distantes, difusos e nebulosos, nomeadamente quando comparados com os interesses particulares, tão óbvios, percetíveis e nítidos

Quem estuda, analisa ou, de algum modo, trabalha com as questões da fraude e da corrupção, nomeadamente enquanto condutas que podem verificar-se nas organizações e na gestão pública, sabe bem como a menor integridade de quem as pratica e os conflitos de interesses são os grandes portões que estão na sua origem.

A integridade refere-se, no essencial, à capacidade e ao dever que todos temos de evidenciar os valores éticos do nosso grupo de pertença, ou seja dos nossos próprios valores, através das condutas que adotamos.

A integridade é afinal uma afirmação muito fácil de se proclamar e de se escrever. Já a sua concretização prática parece não ser assim tão simples. Uns afirmam que o significado dos valores éticos apresenta nuances de pessoa para pessoa e varia consoante o contexto social. Outros defendem que as ocasiões e as circunstâncias são sempre diferentes entre si, e que isso, por si só, ajuda a explicar o diferencial de condutas de que se faz a textura da vida social, incluindo nas organizações. Outros ainda defendem que as pessoas não têm todas a mesma formação, nem a mesma experiência de vida, nem a mesma visão do mundo, e que, por isso, é muito natural que os valores éticos sejam interiorizados e vivenciados de forma distinta de sujeito para sujeito.

Seja como for, e concordando com a vox populi de que ninguém é perfeito do ponto de vista da integridade, a realidade vai-nos mostrando que as pessoas adotam condutas ao longo da sua vida que posicionam o seu perfil de integridade algures numa escala imaginária que fica limitada, a um lado, pela perfeição (o tal lugar que não é ocupado por ninguém e a que corresponderia uma aderência total, perfeita e imaculada, entre as condutas e cumprimento dos valores éticos), e no extremo oposto, pela total ausência de integridade (lugar que provavelmente também não será ocupado por ninguém, na medida em que, como infelizmente a realidade do mundo nos tem mostrado todos os dias nos cenários de guerra, alguns seres sem escrúpulos revelam-se capazes de desrespeitar os valores humanos de forma cada vez mais severa e horrorosa).

Deste ponto de vista, creio que possamos aceitar que a maioria das pessoas se posicione, em termos de perfil de integridade, mais próximo do extremo da perfeição do que do extremo oposto. De outro modo a sociedade seria bem mais caótica, desorganizada, com índices de tensão mais elevados e problemas sociais mais alastrados.

Tudo isto, para verificar que nas sociedades (em qualquer sociedade) existem pessoas menos íntegras, e que essas pessoas podem estar em todo o lado, também nas organizações, no exercício de funções profissionais, em qualquer posição hierárquica, incluindo na direção de topo, e, claro, também no exercício de funções políticas.

E quando estas pessoas estão nas organizações, no exercício das suas funções profissionais, e se deparam com situações de conflitos de interesses, ou seja, perante circunstâncias que avaliem lhes possam trazer evidentes dividendos para a sua vida particular, ou de familiares ou amigos, em claro prejuízo dos propósitos, valores e princípios éticos da organização, não terão grande dificuldade nem escrúpulos em optar pela satisfação desses interesses particulares, nomeadamente se os dividendos alcançados forem de monta ou minimamente interessantes e se perceberem que provavelmente não serão detetados nem punidos.

Afinal de contas, aos seus olhos, os interesses da organização são sempre distantes, difusos e nebulosos, nomeadamente quando comparados com os seus interesses particulares, tão óbvios, percetíveis e nítidos.

E é sobretudo neste circunstancialismo de menor integridade e de conflito de interesses que se explicam as condutas de fraude e corrupção que têm e podem ter lugar em qualquer organização, incluindo na gestão pública, e das quais vamos ouvindo falar quando algumas delas surgem expostas na comunicação social.

Mas claro que se questionarmos os autores destes atos sobre as circunstâncias que os levaram a essas práticas, como também tem sido revelado pela comunicação social, raramente assumem as suas responsabilidades. Negam que tenham sido menos íntegros ou que tenham desrespeitado os valores éticos da organização. No limite consideram que os atos que praticaram não são assim muito graves.