Raquel Brito, Jornal i online

Um estudo científico efetuado na China relata um caso de violações legais e disciplinares com um grupo de trabalhadores da função pública com idades próximas dos 59 anos

Sem esquecer todas as restantes variáveis envolvidas na questão da prevenção da corrupção, esta crónica aborda o papel fundamental que os Recursos Humanos poderão ter neste âmbito.

Nas últimas décadas o exercício dos Recursos Humanos nas organizações abandonou uma atitude mais conservadora, procurando ser mais criativo e inovador na implementação de iniciativas mais ousadas. Relevando medidas mais orientadas para o recrutamento baseado em competências, para a criatividade, para a orientação para os resultados, para a gestão de desempenho e para a capacitação dos colaboradores, enquanto ativo fundamental na harmonização organizacional e crescimento empresarial. Esta reorganização acompanha, de certa forma, a transição para modelos de gestão mais competitivos e, fundamentalmente, mais compatíveis com um mundo mais global. 

Atendendo à sistemática transformação mundial transversal a muitas áreas, a perspetiva aqui sugerida contempla uma orientação bipartida destes recursos. Considerando, por um lado o Departamento de Recursos Humanos e, por outro, a sua gestão, ou seja, a gestão dos colaboradores, enquanto principais ativos das instituições. Obviamente a dualidade desta orientação não é fragmentada, muito pelo contrário, é inteiramente complementar. Não sendo imaginável a sua separação.

Assim, no atual contexto de adaptação às constantes renovações, nomeadamente sociais, tecnológicas e até legislativas revela-se fundamental uma reflecção sobre a importância dos Recursos Humanos (seja enquanto Departamento ou enquanto gestão de ativos) na prevenção da corrupção nas instituições públicas e privadas - não havendo aqui lugar (nem espaço) para a sua distinção.

Em matéria legislativa, as “recentes” alterações em território nacional (DL n.º 109-E/2021, de 09 de dezembro, o Regime Geral da Prevenção da Corrupção, RGPC, e a Lei n.º 93/2021, de 20 de dezembro, que estabelece o Regime Geral de Proteção de Denunciantes de Infrações, RGPDI) podem representar uma oportunidade para as instituições incitarem uma revisão em matéria dos comportamentos organizacionais. Sendo que atualmente não é possível dissociar a ética e a integridade do sistema económico e, em boa verdade, as consequências legais e os danos reputacionais do incumprimento normativo podem encetar um destino indesejável para empregadores e empregados.

Da leitura do Artigo 5.º - Programa de cumprimento normativo e responsável pelo cumprimento normativo - do RGPC, “…as entidades abrangidas adotam e implementam um programa de cumprimento normativo que inclua, pelo menos, um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um código de conduta, um programa de formação e um canal de denúncias, a fim de prevenirem, detetarem e sancionarem atos de corrupção e infrações conexas, levados a cabo contra ou através da entidade.” é quase imediata a perceção que muito deste programa pode ser executado pelos Departamentos de Recursos Humanos. Acrescentando às suas já inúmeras tarefas, nomeadamente recrutamento e seleção, processamento de vencimentos, avaliação de desempenho e outras relações laborais, prevê-se útil e fundamental uma participação mais ativa no referido PPR, um maior envolvimento na produção dos códigos de conduta e sua divulgação e particular atenção ao programa de formação.  Tudo no âmbito de uma perspetiva mais pragmática e funcional destes departamentos organizacionais.

Obviamente, muito haveria a dizer sobre a intervenção dos mencionados departamentos nestas matérias. Mas muito mais haverá no que concerne à anteriormente referida gestão dos recursos humanos enquanto ativos organizacionais.

Neste sentido, idos são os tempos em que se poderia dissociar o circuito económico institucional (competitividade empresarial, concorrência comercial, dividendos financeiros, reputação organizacional, entre outros) da eficiente gestão dos recursos humanos e a capacitação destes.

As novas gerações já não se compadecem com estruturas rígidas e pouco criativas. A literatura internacional destaca nos trabalhadores da geração Millennial a capacidade em alcançar a sua vocação profissional, classificando-a como uma geração idealista e com uma visão humanista nas relações de trabalho. Sendo uma geração que cresceu com liberdade de informação, caracteriza-se por ter uma mente aberta, de defender a liberdade e o “ser corajoso”. Revelando ainda que é uma geração tendencialmente mais crítica à escassez na divulgação de informações e respetiva ausência de transparência.

Acrescem preocupações na construção de culturas organizacionais assentes em pilares estruturalmente éticos e íntegros. Estes pilares devem estar em estreita relação com as tarefas levadas a cabo pelo Departamento de Recursos Humanos uma vez que produzem efeitos no desempenho profissional dos colaboradores. A justa gestão de cargos, a transparente gestão no recrutamento, a clareza na divisão de tarefas, a atribuição de objetivos concretos e consequente correta avaliação de desempenho, são algumas das medidas que se deseja na gestão dos recursos humanos. A perceção generalizada de um enviesamento nos comportamentos organizacionais éticos e transparentes pode conduzir a um clima de impunidade perante a fraude e a corrupção permitindo que se instalem fenómenos indesejáveis.    

Um estudo científico efetuado na China relata um caso peculiar, denominado de 59-year-old Phenomenon, descrito por uma série de variáveis explicativas que conduzem a um pico de violações legais e disciplinares que, curiosamente, ocorrem num grupo de trabalhadores da função pública, do sexo masculino e com idades próximas dos 59 anos.

A conjugação de vários fatores, como: a) a obrigatoriedade dos trabalhadores da função pública do sexo masculino se reformarem aos 60 anos de idade; b) a falta de supervisão e de controlo aos trabalhadores mais seniores; c) um certo abuso de poder e do estatuto adquirido; c) a crença que a entrada na aposentação representará um “talismã protetor” e; d) a vontade de ganhar mais “um barril de ouro” um ou dois anos antes da aposentação, potenciam uma escalada de ilícitos cometidos por estes trabalhadores. De forma resumida, é referida numa das conclusões uma relação causa-efeito entre uma ineficaz gestão dos recursos humanos e a corrupção que se detetou no contexto em análise.

Auditorias, sistemas de denúncias, processos judiciais, todos são essenciais e partes do processo, no entanto já revelam a existência (ou suspeita) de um crime. Sendo que o desejável seria que estes eventos ocorressem o menor número de vezes possível.

Importa refletir na importância da prevenção da corrupção organizacional e do contributo dos recursos humanos, apostando numa transformação de “dare not and cannot corrupt” para “do not want to corrupt” (Hu, X. & Zhu, T., 2016).