Mário Tavares da Silva, Expresso online

A Inteligência Artificial permitirá, também, analisar, automaticamente, a entrada e saída dos montantes associados às múltiplas transações, identificando quaisquer anomalias nos dados fornecidos, sinalizando, com base numa gestão inteligente desses dados e com recurso a uma utilização precisa e confiável dos algoritmos, as transações, os clientes ou as comunicações suspeitas, suscetíveis de indiciar a prática de comportamentos fraudulentos

São múltiplos e significativos os riscos que as instituições financeiras enfrentam no plano do combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.

Nesse universo de riscos assume especial importância o tema relativo à identificação do cliente, assente na ideia base de “conhece o teu cliente” (KYC ou “know your customer”). Esta elementar e não negligenciável condição assume, mais do que nunca, elevada criticidade na definição de estratégias adequadas e eficazes para a mitigação de riscos de eventos associados a prática de crimes financeiros, em particular os que se relacionam com a lavagem de dinheiro e com o financiamento ao terrorismo.

É por essa razão que adquire centralidade a fase inicial em que se estabelece a relação entre a instituição financeira e o cliente, dado ser aí que “muito se joga”, impendendo, em particular, sobre o banco, a obrigação de verificar a identidade, o histórico e outras características que possam dar a conhecer melhor as fontes de riqueza desses potenciais clientes ou de clientes atuais que passem, entretanto, a evidenciar sinais e comportamentos anómalos face àquele que era, até então, o seu padrão normal de atuação.

A ideia é simples e passa por permitir aos bancos que conheçam melhor e mais detalhadamente quem são, afinal, os seus clientes ou aqueles que, ainda não o sendo, se propõem assumir contratualmente essa qualidade.

Ao conhecer melhor os seus clientes, os bancos conseguem realizar uma melhor e mais adequada gestão dos seus riscos e, naturalmente, por extensão, de todas as suas operações financeiras.

E isto é tanto mais relevante nos dias de hoje, porquanto os clientes perpetradores de atuações de branqueamento de capitais tendem a sofisticar a sua forma de atuação, adotando medidas que a todos fazem crer que o dinheiro obtido ilegalmente ou de forma antiética, foi afinal legitimamente ganho.

Razões de ordem operacional, legal e sobretudo reputacional estão na base destas novas exigências que ancoram o KYC.

Um dos métodos propostos para lidar com o KYC no combate ao financiamento ilícito, lavagem de dinheiro e outra tipologia de crimes financeiros é a que assenta no recurso à inteligência artificial (IA), dado que esta permite aos bancos, com utilização de algoritmos, desenvolver uma adequada monitorização dos clientes, mercados e transações financeiras ocorridas, identificando hábitos, padrões e comportamentos bancários desses clientes que sejam suscetíveis de configurar atuações de natureza criminal.

Neste domínio, impõe-se perceber de que forma se poderão estabelecer e regulamentar adequadas políticas que habilitem a uma utilização cuidada e eticamente orientada da IA na estratégia de KYC, garantindo que servem efetivamente o interesse público e não o interesse de grupos ou sujeitos privados. Por outro lado, a IA pode ser usada para mitigar riscos futuros de determinados clientes, rastreando as suas operações e procedendo a uma cuidada avaliação da sua solvabilidade e idoneidade como clientes eticamente probos e honestos.

A IA permitirá, também, analisar, automaticamente, a entrada e saída dos montantes associados às múltiplas transações, identificando quaisquer anomalias nos dados fornecidos, sinalizando, com base numa gestão inteligente desses dados e com recurso a uma utilização precisa e confiável dos algoritmos, as transações, os clientes ou as comunicações suspeitas, suscetíveis, a final, de indiciar a prática de comportamentos fraudulentos.

Para tudo isso, um sistema eficaz de combate ao branqueamento de capitais deverá assentar, sobretudo, numa robusta camada de dados, pressupondo, a montante, uma adequada e eficaz tarefa de efetivar a sua recolha e de garantir a sua adequada gestão. Complementarmente, deverá ainda dispor de uma eficaz capacidade de os triar, tratar e monitorizar, gerando, sempre que se justifique, as pertinentes red flags, tendo por base a identificação e reporte de eventos, como transações ou outros comportamentos suspeitos. Por fim, deverá ainda dotar-se de um plano de atuação de natureza mais operacional, vocacionado e capaz de potenciar a adoção tempestiva e eficaz de medidas concretas, sempre que as mesmas se reputem essenciais para garantir a conformidade das atuações de todos os envolvidos ou, sendo o caso, de promover a sua necessária correção e sancionamento.

São pois múltiplos os esforços globais que tem vindo a ser implementados para combater a lavagem de dinheiro com recurso à IA, existindo atualmente uma robusta regulamentação comunitária e nacional nesse sentido, ancorada numa gestão e tratamento inteligentes da informação, sobretudo no plano de uma eficaz due diligence do cliente, enquanto primeira linha de defesa na identificação e na prevenção de fenómenos de lavagem de dinheiro, identificando os seus hábitos, frequência, montantes e destinatários das suas transações, incluindo beneficiários efetivos que, como todos bem sabemos, se escondem, na maior parte dos casos, por detrás de indetetáveis e opacas contas bancárias offshore.

Sem dúvida, desafios mais do que suficientes para não baixarmos a guarda, para mais num tempo em que a guerra no médio oriente se assume como variável de relevo e de natureza imprevisível no xadrez internacional e, muito em particular, nas preocupações redobradas que agora as instituições financeiras vão certamente ter presentes na definição das suas estratégias, sobretudo no plano do KYC e de uma ainda mais eficaz (e necessária) mitigação do risco de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo.