Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Na apresentação do Orçamento do Estado de 2024, o Ministro das Finanças apresentou um gráfico com os valores de investimento público em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) executado entre 2016 e 2023, bem com a projeção para 2024. Os números mostram uma subida nominal aparentemente expressiva da FBCF pública no orçamento de 2024, na ordem de 1,8 mil milhões de euros (M€) ou 24%, para 9,2 mil M€, o que constitui um "máximo", nas palavras do Ministro das Finanças.
Antes de mais, dizer que se trata de "um máximo" é muitíssimo pouco informativo, pois o investimento em valor absoluto tende a aumentar todos os anos por mero efeito da subida dos preços, mesmo que não tenha qualquer crescimento em volume, que é o mais importante. Neste caso, a subida de 24% certamente ultrapassa a variação de preços e incorpora um aumento em volume, mas em qualquer caso estamos no domínio das previsões.
Ora, o que os dados passados mostram é que os valores efetivamente executados de FBCF pública ficaram sempre bastante aquém das previsões dos sucessivos orçamentos de Estado desde 2016, com exceção de 2020 - devido à pandemia, que obrigou à realização de investimentos que não eram antecipáveis - como mostra a Figura 1.
No total, somando os desvios entre execução e orçamento entre 2016 e 2023, ficaram por executar quase 6 mil M€ (5,8 mil M€), o que é muito dinheiro, correspondendo a um pouco mais do valor de juros da dívida pública que o Governo estima para 2023 (5,7 mil M€).
Infelizmente, esse investimento por executar traduz-se numa deterioração cada vez maior dos serviços públicos, visível aos olhos de todos, o que penaliza não apenas os cidadãos - em particular, os de menores rendimentos -, mas também as empresas.
A taxa de execução média da FBCF pública entre 2016 e 2023 foi de 87%, valor que baixaria para 84% se fosse excluído o ano de 2020, que foi uma clara anomalia.
De qualquer modo, admitindo que em 2024 se verifica essa taxa de execução média de 87% - até porque em 2023 se registou um valor semelhante (86%) -, em vez de 9,2 mil M€ teremos 8,0 mil M€ de FBCF pública, o que implicaria um crescimento nominal de apenas 8%, não 24%.
Olhemos agora para o histórico de variações previstas nos orçamentos (valor orçamentado face à execução no ano anterior, usando a série de valores executados fornecida pelo Ministério das Finanças na apresentação do Orçamento do Estado de 2024) e observadas na Figura 2. A subida prevista de 24% parece agora pequena face às de orçamentos anteriores (máximo de 49% no orçamento de 2023), sendo mesmo a segunda menor desde 2016, mas previsões não passam disso mesmo e "são levadas pelo vento" se não forem revisitadas como no exercício aqui proposto, pois como diz o povo, "a memória é curta".
A perspetiva de um aumento nominal de 8% da FBCF pública (assumindo a taxa de execução média de 87% entre 2016 e 2023), a verificar-se, traduzirá um valor bastante abaixo da variação média anual observada nesse período, que foi de 14%.
Por outro lado, se descontarmos a evolução dos preços - assumindo que se verifica a subida de 3,1% prevista para o deflator da FBCF total, privada e pública -, temos um aumento em volume esperado na ordem dos 5%, o que não é mau para o ano, mas é muito pouco se comparado: (i) com o grande número de 24%, anunciado com grande destaque; e (ii) o valor bastante expressivo de investimento que, infelizmente, ficou por executar desde 2016 e que, por não ter sido executado, conduziu à degradação visível dos serviços públicos e contribuiu para o empobrecimento relativo do país no contexto da União Europeia.
Por outro lado, como mostra a Figura 3, em 2024, haverá a maior proporção desde 2016 de investimento europeu para executar (37%, após 30% em 2023 e valores entre 14% e 21% nos anos precedentes) - fundos do PRR e do Portugal 2030 -, sendo que o investimento europeu é relativamente mais difícil de executar do que o nacional, pois há mais regras a cumprir.
Isto quer dizer que a taxa de execução pode ser ainda inferior à média desde 2016, pelo que o cenário acima traçado até poderá ser otimista, o que traria a variação nominal abaixo de 8%.
Como aqui tenho dito neste mesmo espaço, é crucial a digitalização e desburocratização do acelerada do Estado para aumentar a capacidade de absorção de fundos, sendo que os do PRR têm uma janela bastante estreita, pois têm de ser executados até 2026.
Infelizmente, os atrasos do PRR, reconhecidos por todos, são um sinal de que há ainda muito a progredir nesse campo.
Por isso, face ao exposto, pergunta-se se é mesmo desta que a previsão de aumento do investimento público inserida na Proposta de Orçamento do Estado se vai verificar.
Figura 1
Figura 2
Figura 3