Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Aqui, neste mesmo espaço, escrevi sobre o regresso da "má economia" portuguesa em 2024 no passado mês de maio, altura em que a Comissão Europeia projetava um crescimento económico de 1,8% para Portugal nesse ano, que seria o décimo mais baixo, após um valor de 2,4% em 2023 (significativamente revisto em alta), o 5º mais alto da UE nessas projeções.

Na altura, o Presidente da República reconhecia "alguma boa economia", mas que "ainda não estava a chegar às pessoas", justificando o título do artigo.

Na altura, procurei desmontar o aparente "milagre económico", muito assente num boom turístico que será temporário, bafejado pela imagem de país bonito e seguro, longe do conflito, que afetou negativamente a generalidade dos países do centro e leste da Europa. Tratando-se de um setor de baixa produtividade e muito sensível a oscilações rápidas e bruscas de procura, um acréscimo de especialização neste setor poderá ser mau para o nosso crescimento económico a longo prazo, apesar de ser benéfico a curto prazo.

Pouco depois, em junho, o Banco de Portugal (BdP) projetava taxas de crescimento de 2,7% em 2023 e 2,4% em 2024, ainda mais otimistas (já na altura alertei para esse otimismo), dando ainda maior suporte aos argumentos do dito "milagre" nacional.

Passados poucos meses, o turismo está em abrandamento acelerado e o mesmo BdP incorporou isso nas previsões recentes, bem mais desfavoráveis, com valores de crescimento de 2,1% em 2023 e 1,5% em 2024 (quase em linha com os 2,2% e 1,6% apontados em setembro pelo Conselho de Finanças Públicas, CFP), referindo mesmo que terá ocorrido uma contração em cadeia do PIB no terceiro trimestre e apontando uma evolução próxima de zero no quarto trimestre, em termos reais.

Mais uma vez, o BdP aponta para uma convergência com a área euro mesmo em 2024, quando a comparação devia ser com a União Europeia, uma área mais dinâmica e mais desenvolvida, como manda a literatura económica, e aí a projeção de setembro da Comissão Europeia, a mais recente, é um valor de 1,4% em 2024, muito semelhante ao agora prevista pelo BdP para de Portugal (1,5%), dentro de margens de erro estatístico, pelo que é plausível a interrupção de um breve período de maior dinamismo relativo da economia portuguesa (empolado pelo turismo), que não muda o desempenho comparado desde o início do milénio (variação média anual de 0,9% entre 1999 e 2022, face a 1,5% na UE).

Ao nível da inflação, os valores foram revistos em alta de 5,2% para 5,4% em 2023 e 3,3% para 3,6% em 2024.

Ou seja, o regresso da "má economia" já está a acontecer na segunda metade deste ano e não consta que a "alguma boa economia" tenha chegado ao bolso das pessoas, como sugere também o recuo do índice de confiança dos consumidores em julho, agosto e setembro.

Sintomaticamente, o BdP refere, a respeito da revisão em baixa dos valores de crescimento económico, que "esta evolução mais desfavorável do que a projetada no Boletim Económico de junho é explicada pelo comportamento das exportações e, em menor grau, do consumo privado e da formação bruta de capital fixo (FBCF), em especial pública".

Ou seja, a surpresa negativa é explicada pelas exportações - afetadas pelo abrandamento do turismo, sobretudo -, pelo consumo, penalizado pela alta das taxas de juro e inflação ainda alta, bem como pela já conhecida má execução do investimento público, nomeadamente do PRR.

Isto confirma as dificuldades dos modelos de previsão económica no atual período de incerteza, neste caso afetando as projeções do BdP.

No passado, revisões tão acentuadas das previsões de crescimento económico do BdP em poucos meses eram pouco habituais, salvo anos de início de uma crise (como 2020, devido à pandemia, e 2022, quando começou a guerra na Ucrânia, considerado o período mais recente), o que não é bem o caso de 2023, em que já houve adaptação ao contexto de guerra e inflação.

Refira-se ainda que a previsão de crescimento económico do BdP de outubro para o ano seguinte, neste caso 2024, é relevante no contexto da Proposta de Orçamento de Estado de 2024, pois é usada pelo CFP para avaliar a razoabilidade da projeção de crescimento económico apresentada pelo Governo (até porque nesta altura do ano não há projeções recentes de organizações internacionais como FMI, Comissão Europeia e OCDE), análise obrigatoriamente anexada ao Relatório da Proposta de Orçamento.

Estando a projeção do BdP para 2024 próxima da do CFP, até ligeiramente inferior, afigura-se perfeitamente plausível (não otimista), mas se o modelo apontasse um valor claramente otimista (como se afigura agora o valor de 2,4% para 2024 apresentado em junho), tal poderia ser aproveitado pelo Ministro das finanças para apresentar também ele uma projeção otimista e assim elevar a projeção de crescimento da receita fiscal sem reprovar na análise de enquadramento obrigatória do CFP.

Esta era uma das razões que desaconselhavam a passagem direta de um Ministro das Finanças para Governador do Banco de Portugal, expondo-se a críticas desse género (além de outras citadas na altura) mesmo que os números saiam de modelos (mas que são ajustáveis).

Mais relevante nesta altura, é saber se estão previstas revisões (melhorias) nos modelos de previsão do BdP, que parece estar menos certeiro no atual paradigma - com consequências económicas potenciais, como as referidas acima -, nomeadamente no âmbito de uma revisão dos modelos do BCE, tendo em conta a inserção do BdP no Sistema Europeu de Bancos Centrais.