Mário Tavares da Silva, Jornal i online

A ética, integridade e transparência das ações dos gestores e servidores do Estado tornaram-se decisivamente um foco crescente da atenção pública, o que exige não apenas uma modernização da gestão pública como também o robustecimento das estruturas de governação e de gestão públicas no propósito último de as orientar eticamente

Foi em 2011 que no seio da EUROSAI se criou a “Task Force on Audit & Ethics” (TFA&E). Assumindo-se como um grupo de trabalho de natureza temporária, desde cedo se dedicou a procurar uma mais clara e completa compreensão das relações que se estabelecem entre a «Auditoria» e a «Ética», tarefa que por si só se revela suficiente para justificar a inclusão destes temas nas agendas de trabalho dos múltiplos fóruns de controlo externo a que nos últimos anos temos assistido.

Em termos muito sintéticos, a TFA&E da EUROSAI entende que a missão contemporânea das Instituições Superiores de Controlo (ISC) deve, sobretudo, procurar garantir que a governação das instituições públicas ou de entidades de outra natureza às quais sejam confiadas responsabilidades na gestão de fundos de natureza pública, se desenvolva e discipline num quadro de plena adesão aos princípios do bom governo e da boa administração, procurando endereçar, nessa medida, de forma mais permanente e visível, o desafio das auditorias operacionais ou de desempenho (performance audits).

Assumem, neste contexto, inegável relevância, as auditorias focadas na avaliação da ética e da integridade públicas nos seus mais diversos aspetos e singularidades.

E isto é tanto mais assim porque estamos, incontornavelmente, perante novos tempos e novas necessidades, incentivando-se, nesta janela que agora se entreabre, o auditor público contemporâneo a reinventar-se, procurando ampliar o escopo dos seus conhecimentos e não receando mergulhar em áreas distantes das do mundo financeiro e bem mais próximas dos novos e complexos temas com que se vem confrontando, sejam eles humanísticos, científicos, tecnológicos, ou mesmo ligados à moral, aos usos e costumes, às igualdades (ou sua falta) ou, ainda, aos inquietantes e exigentes desafios trazidos pelas transições climática e digital.

Por outro lado, e como bem sabemos, é da necessidade de mitigar o risco de uma fratura ética nas instituições democráticas e por essa via se operar uma deslegitimação do Estado de Direito social e democrático, que as ISC se assumem cada vez mais como o primeiro e último guardião na salvaguarda dos valores éticos e fundacionais dos Estados, defendendo e protegendo lá onde mais nenhuma outra instituição o pode eficazmente fazer.

As ISC são cada vez mais, nessa exata medida, pilares de uma complexa arquitetura jurídico-constitucional, fazendo e promovendo, como alguns já vaticinaram, uma espécie de vigilância 'sanitária' da ética pública, em defesa de boa governança.

Nessa mais intensa e visível omnipresença das questões éticas e, como sua consequência, da importância que as mesmas assumem na missão a empreender pelas ISC, concorrem diferentes razões, como a de uma maior exigência dos cidadãos, fruto em larga medida da sucessão de escândalos e de problemas derivados de más práticas.

Para a TFA&E, a ética, integridade e transparência das ações dos gestores e servidores do Estado tornaram-se decisivamente um foco crescente da atenção pública, o que exige não apenas uma modernização da gestão pública como também o robustecimento das estruturas de governação e de gestão públicas no propósito último de as orientar eticamente.

Uma outra razão prende-se com a integração da ética nos princípios de governação, assumindo-a e colocando no foco das tarefas de controlo interno e externo. Uma terceira razão é o crescente e relevante papel assumindo pela própria Estrutura de Pronunciamentos Profissionais da INTOSAI (IFPP) no fortalecimento ético dos órgãos públicos.

Por fim, e não menos relevante, concorrem também razões que tem a ver com a realidade das próprias ISC. Na realidade, as ISC, fruto do impulso de cidadania e das prescrições técnicas internacionais que vem sendo emitidas, vêm incorporando e internalizando nas suas ações de programação anual a avaliação de questões relacionadas com a ética pública, como sejam as relativas à conformidade, à existência (ou não) de códigos éticos, à existência de adequadas avaliações de risco de fraude ou, ainda, de mecanismos adequados de prevenção da corrupção.

Também uma mais proeminente e robusta política de combate à fraude e à corrupção tem forçado a criação sucessiva de obrigações legais de adoção de programas de compliance na gestão de fundos públicos, colocando-os em permanência no radar do controlo externo e dos auditores públicos que o corporizam.

Razões mais do que suficientes para que continuemos a trabalhar estes temas e a reforçar a sua importância, dado que definitivamente, a ética e a auditoria, sendo conceitos perfeitamente autónomos, tendem cada vez mais a ser olhados como duas faces da mesma moeda, assim se garantindo as necessárias condições a uma atuação mais eficaz do controlo externo e, naturalmente, a uma melhor gestão dos dinheiros públicos, incluindo naturalmente os que agora nos vem chegando a coberto do Plano de Recuperação e Resiliência.

É caso para se dizer, como bem ensina a sabedoria popular, que também aqui “…a necessidade aguça o engenho…”.